(Martyrs, 2008)
Terror - 99 min.Direção: Pascal Laugier
Roteiro: Pascal Laugier
Com: Morjana Alaoui, Mylene Jampanoi
Adiei por muito tempo a resenha desse pelo simples fato de que a idéia de revê-lo ou simplesmente relembrar suas imagens e idéias, me causaria na melhor das hipóteses um mal estar.
Fiquei, e ainda estou, com esse filme meses a fio na mente. Ele contém algumas das seqüências mais impressionantes que tive o prazer (ou será desprazer ?) de ver em toda a minha vida. E não, não estou exagerando. Pergunte aos que viram o filme, se após seu término ficaram indiferentes. Se não se chocaram pela violência doentia, se chocaram pelas idéias (pra mim mais chocantes) que o filme apresenta.
Martyrs (ou Mártires em português), conta a história da menina Lucie (interpretada visceralmente por Jessi Pham) que inicia a projeção correndo, sem rumo e aparentemente dopada por uma rua deserta. O filme corta para meses no futuro quando, em um orfanato, a polícia investiga os motivos para a fuga e quem mantinha a menina em uma espécie de galpão sujo.
A menina tem uma amiga, dessas inseparáveis, Anna (interpretada com doçura por Erika Scott) que tenta ajudar a menina, que insiste que é atormentada por uma espécie de entidade.
E ai... meus amigos, o caldo engrossa.
Nada é óbvio, e os sustos (garanto) não são nada gratuitos. A crueza é sádica, beirando a pornografia. A França, país de origem da produção, vêm se especializando em filmes de terror mezzo gore/mezzo sobrenaturais realmente impressionantes. Desde o cult-clássico Haute Tension, passando pelo imperdível A Invasora e chegando até a catarse sociológica/antropológica/gore Martyrs.
A ação segue anos no futuro, e quando uma família é brutalmente (e não é brutalmente estilo Hollywood) morta a tiros de calibre 12, e somos apresentados (novamente) a dupla de meninas Lucie e Anna . As duas, agora mulheres, e interpretadas magistralmente por Mylène Jampanoi e Morjana Alaoui respectivamente, estão em busca de respostas para seus traumas mais profundos.
Lucie é atormentada por seus traumas e pela tal entidade até hoje. A interpretação de Mylène é poderosa. Ela é fria, atormentada e cruel. Tem medo do mundo, ao mesmo tempo em que é extremamente dependente de Anna. Ela por sua vez, é a voz da razão do filme. Apesar de amar verdadeiramente sua amiga, desconfia das intenções e principalmente da sanidade da menina.
O diretor Pascal Laugier é um cara realmente talentoso. Ele consegue em 99% do tempo aliar a crueza realista da história com a dose de sobrenatural, que resulta num conto de extrema vitalidade. Abusa dos planos fechados, e deixa a violência espirrar na tela de quem vê.
Existe apenas uma pequena falha nessa crueza toda, e envolve um martelo que, digamos assim, some (quem viu o filme, talvez concorde comigo). Ali acho que ele não sabia como chegar no “terceiro ato” e usou de um expediente muito infeliz. Por essa cena, o filme quase perdeu a credibilidade toda conquistada na hora anterior.
O que acontece após essa “cagada” é indescritível. Preciso dizer que sou um cara que costuma ver podreira. Vi Zumbi Holocaust numa boa (acho o Ruggero Deodato cool), Tom Savini e Lucio Fulci são brilhantes, Takashi Miike (apesar de fugir um pouco do gore/splatter pelo choque puro e simples) é doente, me divirto com o tio Franco e acho a Troma duca..., mas em todas essas produções, quase sempre, o gore estava ali para chocar, pelo prazer de chocar. O contexto não importava muito. Em Martyrs a coisa é crua. Ele te pega pelo “saco” e faz você realmente se imaginar naquela situação. Sem soltar spoilers, queria que quem viu a seqüência, dos pregos na banheira (quem viu, sabe qual é ) desse sua opinião sobre a sensação causada por ela. Eu tive um profundo asco. E não porque a cena seja nojenta (e ela é), mas pela forma verdadeira com que ela é mostrada. É a cena mais impressionante que vi no ano de 2009 e ponto.
A graça da hora final do filme, é que quando você realmente acha que o fim está próximo, somos jogados numa espiral de terror e desespero. Em momento algum você crê num final feliz, e é doentio acompanhar o desenrolar da história. E quando você recebe as respostas por trás de tudo, tudo funciona muito bem. Para alguns, ela vai soar (na melhor das hipóteses) doente. Eu vi de forma diferente. O título revela muito sobre a idéia do filme, e sobre a nossa tentativa quase obsessiva em encontrar respostas para tudo e em todos os lugares. Martyrs, e isso é uma sacada genial, não responde. O filme “sabe” mas não se manifesta. Ele te deixa no escuro, e faz você pensar (o grande mérito do filme) por meses sobre o que aquilo realmente significa.
Martyrs funciona por isso. Apesar do gore, da nojeira e do choque e sustos fáceis, quando as respostas (e perguntas) começam a aparecer na tela, são elas que ficaram gravadas na sua memória.
O sangue pode ser lavado, e os cortes cicatrizam, as idéias permanecem eternas.
Obs: Essa foi, talvez, a resenha mais complicada que já escrevi. Além do fato do filme realmente ter me impressionado muito, vou entender se quem não viu o filme, a considere “elíptica”. Mas me defendo com duas respostas: 1- Contar mais vai realmente estragar a experiência do filme e 2 – Os conceitos do filme (que pra mim é o mais importante) merecem ser visto no escuro, apesar de uma dica aqui e ali.
Obs 2: Gostaria de ler os comentários de quem viu o filme. Exagero ao considerá-lo imperdível, ou no caso Excelente ?
Eu acho meia-boca.
ResponderExcluirDo meio pro final o filme se caga todo, naquele absurdo sem sal, filmado sem sal e terminado sem sal (tenho curiosidade sobre de saber o que a menina viu e a velha soube, mas acontece que o filme não me passou essa vontade).
Nova safra do cinema de horror francês dando de laço em supostos "filmes de terror" do oriente e dos Estados Unidos. Quem critica exageros procura pêlo em ovo do mesmo jeito que os puristas criticam os filmes de Bava e Fulci dos anos 70, jóias da criatividade e horror gore feito com baixo orçamento. É típico de alguns Rubens Ewalds da vida minimizar filmes como aquele. Como ele também deve minimizar esse.
ResponderExcluirSe você achou esse forte meu amigo - e é - procure um filme francês feito pouco antes chamado "A Invasora".
Depois a gente conversa...
Eu vi Invasora ... mas tava anestesiado pelo Martyrs e não fiquei tão impressionado com a violência. Martyrs me conquistou pelo que discute e nem tanto pelo sangue.
ResponderExcluirDiz isso a um futuro pai com o filho na barriga da esposa então...
ResponderExcluirSó para argumentar para todos os que rejeitam a idéia de o cinema ser uma experiência absolutamente sensorial, de humor, ânimo e hrazões particulares para reagir a cada filme
Exatamente, Martyrs mexeu mais comigo e Invasora com vc.
ResponderExcluirPor isso qe as ánalises DEVEM ser pessoais. Cinema é arte e não matemática, cada um é atraido para alguma coisa, e afora a parte técnica de qualquer filme, o que realmente nos move nesse assunto são nossos "instintos", ou as razões particulares que vc tão bem citou.
Meu Velho que filme é esse ?
ResponderExcluirAdiei uns 2 anos até tomar coragem de assisti esse filmaço, filme mexeu comigo drasticamente.
Resumindo um filme que me deixa completamente fora da realidade, filme onde vc (ao menos eu) se sente dentro do filme, desde as cenas de ação, quanto nas partes de torturas.
Fantástico e com um Final fora de série, nada de finaizinhos de Hollywood, um final categoricamente folosofico.