quinta-feira, 8 de abril de 2010


Rede de Intrigas (Network, 1976)

Direção: Sidney Lumet

Com: Faye Dunaway, Peter Finch, William Holden, Robert Duvall, Ned Beatty e Beatrice Straight

Peter Finch (incorporando seu magistral Howard Beale) aos 60 minutos de Rede de Intrigas, diz em um dos seus inflamados discursos, para desligarmos a TV e não nos submetermos aos caprichos da “tela preta”. Muito mais do que um ator lendo frases de um roteiro de cinema, o ator é o instrumento de um manifesto. Um manifesto contra nossa própria ignorância, subserviência e incompetência diante dos mandos e desmandos dos profetas da comunicação.

Nós, raça humana, nos deixamos levar pelo clamor das cores, pelo apelo de canções que invadem nossa retina como flechas certeiras e instauram dentro de nós a idéia de “verdade”.

Finch é o instrumento que o roteirista Paddy Chayefsky usou para demonstrar sua própria insatisfação com o mundo que o cercava.




Para Paddy (com total razão) não importa o que é dito, como é dito e por quem é dito. Não importam as fontes, a apuração dos fatos ou simplesmente bom gosto, mas simplesmente quantos são atingidos pela “magia”. Essa é a verdadeira essência da experiência de ver TV.

E Rede de Intrigas surge quase como um verdadeiro profeta do Apocalipse. Com enorme competência o filme conseguiu preconizar com enorme felicidade diversos fatos, eventos e situações que hoje fazem parte do menu de 11 entre 10 emissoras de TV, por aqui e no resto do mundo.

O filme fala desse personagem (Howard Beale), um apresentador de jornal, que a véspera de sua demissão, em rede nacional, anuncia que ira se matar ao vivo, pois sua vida (programa de TV) lhe foi tirada. O filme cobre a repercussão desse anuncio (e não, ele não se mata) e como a “engrenagem” chamada TV, usa um homem visivelmente perturbado como porta voz de uma população enfurecida, com medo e castrada somente para lucrar com isso.




O mais impressionante nesse filme é sem dúvida, sua quase magnética capacidade de transmitir realismo e critica social com habilidade sem se tornar pedantes, apelativo ou mesmo moroso. O mais assustador de tudo isso, é que apesar de se tratar de uma obra de ficção a dose do tal realismo é tão grande que ainda hoje, passados mais de 30 anos, vemos as mesmas situações sendo repetidas em nosso dia a dia. Basta ver, o que é mais repercutido em qualquer jornal de TV todas as noites. Quanto tempo “perdemos” vendo notícias que verdadeiramente nos afetam, e quanto vemos de “disque-me-disque” e sensacionalismo.

E aí vai a enorme “sacada” do texto de Chayefsky. Ao mesmo tempo em que o personagem de Finch é o “profeta”, o homem que diz o que cada americano tinha engasgado, ele também é a cereja no alto do bolo das engrenagens que fazem com que os índices de audiência e o faturamento anual em publicidade substitua os valores básicos de qualquer sociedade: verdade, justiça e liberdade.




Rede de Intrigas é seguramente um dos 10 filmes mais importantes realizados por um estúdio norte-americano nos últimos 50 anos. Uma coleção de facadas no peito, dolorosas e brutais. A cada discurso de Beale somos atingidos por um tapa violento na tentativa desesperada de nos acordar de nossa passividade mediante a aos acontecimentos e a nossa ignorância perante aos verdadeiros fatos.

Por outro lado, o filme é um festival de ironia ao mostrar os meandros dessa máquina suja, que usa o próprio critico como arma. Abstrai-se o valor dos discursos e obtêm-se o sumo (audiência).

Sidney Lumet, um diretor calejado de thrillers e com grande preocupação com o que é dito em seu filmes (Rede de Intrigas é um dos filmes em que mais se fala na história), e principalmente como é dito. Não é a toa que entre as onze indicações ao Oscar, 5 foram para o “quesito” atuações.




Faye Dunaway, como a gélida Diana Christensen é o baluarte da geração que na década seguinte foi chamada de workaholic. Gente que não vive, mas “flutua” por entre baias, escritórios e telefonemas. Tão obcecada que nem em momentos de prazer (uma sequencia brilhante com William Holden em que a personagem é mostrada apenas falando sobre trabalho, inclusive numa bizarra cena de sexo) ela consegue demonstrar alguma fagulha de humanidade. Peter Finch, o profeta do caos, é quem Chayefsky escolhe para apresentar seu discurso. Uma das atuações mais impressionantes da história, com TODOS os seus discursos relevantes e verdadeiramente honestos e cruéis em sua amargura. É irônico ver a cena final de Finch no filme, sabendo que o ator não pode comparecer ao Oscar. Macabro. A outra vencedora é Beatrice Straight, como a mulher de William Holden, que tem um cena particularmente brilhante em que mostra em pouco mais de cinco minutos o que a difere de forma indelével da personagem de Dunaway.

Além deles, o já citado William Holden também foi indicado (perdendo para Finch) e é a pedra do filme. O mais próximo do que pode ser chamado de real. Um romântico e nostálgico, uma alma perdida entre a corja de desalmados. E Ned Beatty, que como o dono do conglomerado que administra a emissora de TV, é tão poderoso em suas intervenções que consegue mesmo com pouco menos de 10 minutos de tela extrair sua melhor atuação da carreira (rivalizando com Amargo Pesadelo, do gênio Jon Boorman). Além deles completam o elenco Robert Duvall (que também merecia uma indicação) como o presidente da emissora, o estereótipo do que imagina-se de um homem nessa posição.





As demais indicações (edição, fotografia, roteiro, direção e filme) foram absolutamente merecidas, e num mundo perfeito (além de roteiro, que venceu) Lumet deveria dividir o premio de direção com Scorsese, assim como seus filmes “rachariam” o careca dourado de melhor do ano.

Nada é mais poderoso do que Peter Finch, ensopado pela chuva, de pijama, e sobretudo inflamado por sua própria loucura vociferando 'I'M AS MAD AS HELL, AND I'M NOT GOING TO TAKE THIS ANYMORE!'. Um exercício de metalinguagem inesquecível.

Uma aula de como pregar sem amolar o espectador, e de tentar abrir os olhos anuviados pelo trocar de canais.

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