sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Capitães de Areia
(Capitães de Areia, 2011)
Drama 

Direção: Cecília Amado e Guy Gonçalves
Roteiro: Cecília Amado e Hilton Lacerda

Com: Jean Luís Amorim, Ana Graciela Conceição, Robério Lima, Israel Gouveia de Souza, Paulo Abade e Jordan Mateus

Em determinado momento do filme a personagem Dora (Ana Graciela Conceição), acuada com a gangue dos Capitães de Areia, diz em alto e bom som ao seu assustado irmão: "Não se preocupe, é só um bando de menino". De fato, é isso que são os tais marginais de Capitães de Areia. E pior, é essa a impressão que as interpretações do filme me causaram: que via em ação "um bando de meninos" em frente à tela lendo descaradamente suas falas com nenhuma emoção e inflexão. Uma coisa robótica e sem graça.

Quase todo mundo ali é amador, ou semi, saído de ONGS e preparado em um processo semelhante ao que fez de Cidade de Deus um dos filmes mais intensos no começo do século. A mistura de personagens agudos e interpretações mais que naturais, fizeram o trabalho de Meirelles ainda melhor, ampliando a qualidade técnica empregada no filme.

Infelizmente, o oposto acontece por aqui. Os garotos claramente amadores e "verdes" são mais que artificiais, e isso não é culpa apenas deles. Culpa de quem os selecionou, de quem os instruiu e de quem os dirigiu. Em um filme como esse, em que os atores e as interpretações têm peso mais que fundamental na narrativa, se não nos convencemos com aqueles garotos, não nos convencemos do filme.


A história da gangue dos Capitães de Areia (para quem não leu o livro, meu caso) gira em torno de Pedro Bala (Jean Luis Amorim), o líder do bando e que junto de seus parceiros de crime vive de pequenos assaltos nas ruas de Salvador. Entre os integrantes do bando, destacam-se Professor (Robério Lima), Sem Pernas (Israel Gouveia de Souza), Gato (Paulo Abade) e Boa Vida (Jordan Mateus). A vida do bando é mudada quando a garota órfã Dora e seu irmão Zé Fuinha (Felipe Duarte), juntam-se aos garotos, criando conflitos e paixões entre os membros.

Como disse, jamais li Capitães de Areia. Jamais tive interesse pelas obras de Jorge Amado, embora reconheça sua força e importância. Sei por exemplo, que ele foi o primeiro (talvez não o primeiro, mais o mais reconhecido e consagrado) a mostrar sem pudores as mazelas, a vida suja e bandida de sua cidade, sempre ambientando suas historias nos bairros pobres, ligados as gangues, prostituição e a religiosidade. Jorge conseguiu mostrar ao Brasil e ao mundo, seu povo e sua realidade de forma marcante.

Isso não exime o filme de ser no fundo, um emaranhado de clichês cinematográficos apoiado pelas interpretações equivocadas de todo o elenco. Pedro Bala age como proto líder, mas não basta de um garoto assustado que vive se lamentando de sua sorte. Professor, um garoto talentoso para o desenho, não aceita a oportunidade dada por um estranho que ve seu talento por "ser apenas um bandido de rua". E o mais interessante deles Sem Pernas, que começa o filme dividido entre uma família estável e a certeza de que seu lugar não é aquele, transforma-se em um chatíssimo e inconveniente personagem. E a garoto Dora, que até surge interessante, também cai no lugar comum após se apaixonar.


As burrices e ingenuidades daqueles garotos (como tirar um determinado personagem de cuidados médicos para levá-lo para ser "curado" por uma mãe de santo) são amplamente defendidos pelo filme, que os encara com poesia e lirismo, deixando-os sem nenhum impacto emocional. Na realidade do filme, tudo que acontece com aqueles garotos não é por sua culpa, sempre existe um agente externo que os impede de alcançar a sonhada "liberdade". No fundo, são vítimas de sua condição.

Mais o principal problema do filme é o mal da exaltação da bandidagem. É muito difícil, ao se tratar de personagens marginalizados escapar dessa situação. Martin Scorsese, que formou sua carreira basicamente falando de parias da humanidade, sempre os enquadrou com zelo. Influenciado por sua "culpa católica", os mostrou sempre como bandidos, como pessoas vis e que no fim pagariam seu preço por suas escolhas. Ficando no Brasil, quando Babenco fez Pixote, usou do garoto de rua para falar da condição humana sem também julgar valor, e mais recentemente quando Cidade de Deus explodiu, Meirelles também teve o cuidado de não transformar as ações dos bandidos em algo digno de aplausos, inserindo um narrador, uma figura positiva e honesta no meio de tanta corrupção e violência. Ninguém sai do cinema crendo que Zé Pequeno é um rapaz em busca de "liberdade". Compreendem?

Capitães de Areia não aposta nisso. São pequenos bandidos exaltados como baluartes da liberdade e da verdadeira cara de uma cidade. O povo. Não sei até que ponto esse tipo de ideia é positiva, ou mesmo, até que ponto ela não ofende as pessoas. Por se tratar de um dito, clássico da literatura nacional, as pessoas tendem a ser condescendentes com a produção. Mas, nos coloquemos em outra situação. Se fosse adaptado um livro que exalta o heroísmo americano em qualquer conflito, não estaríamos todos aqui dizendo: "filme errado na hora errada" ou "hoje em dia, esse tipo de história não funciona mais"?


Qual a diferença então para uma história em que a bandidagem (por mais coitados e sem recursos que pareçam os garotos, isso não é justificativa para roubar) é exaltada? Apenas por retratar um período histórico diferente? Honestamente, me sinto cansado desse tipo de narrativa. Acho que o cinema nacional é muito maior do que a tríade "favela-pobreza-nudez", mesmo quando essa tríade é apresentada em períodos históricos diferentes.



5 comentários:

  1. Adoro esse blog. Mas por vc não conhecer a obra de jorge Amado tornou-se totalmente equivocado em relação a bandidagem desses meninos.
    Creio que antes de escrever sua crítica, deveria no mínimo ler o livro ou, ao menos, artigos acadêmicos que explicam as possíveis interpretações para a metáfora da bandidagem em Jorge Amado. Gosto muito desse blog e por isso tomei a liberdade de comentar. abraços.

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  2. A forma com que o filme aborda a bandidagem é exatamente como descrevi. Transforma os garotos em "lutadores da liberdade", excluídos pela sociedade e dessa forma justifica seus atos. Não existe a menor necessidade de quando se analisa uma obra cinematográfica ter conhecimento do livro/quadro/história em quadrinho/notícia de jornal em que a mesma se baseia, já que, a boa obra cinematográfica deve se sustentar por si só, coisa que, de acordo com minha análise a mesma não consegue. É o mesmo que dizer que para analisar os filmes da série Crepusculo ou Senhor dos Anéis é necessário conhecimento do livro. Cinema e literatura são formas de arte completamente diferentes, e devem ser analisadas por seus méritos individuais.

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  3. Creio que sim mas a abordagem da marginalidade feita por Jorge Amado é extremamente carregada de criticidade.a marginalidade em Capitães de Areia mostra que as pessoas de acordo com a classe social que ocupavam, eram vistas de forma
    diferenciada, estando freqüentemente sob o julgamento da população. Esta,
    com atos imprudentes, acabava prejudicando a formação daqueles que
    realmente queriam ser considerados cidadãos, aumentando assim, a revolta e
    a sede de vingança.
    Um sistema capitalista e ditador somado à condição de ser dos menores
    abandonados, leva à busca pelo companheirismo e apreciação da vida, pois,
    de certa maneira, isso significa sentir o gosto de viver intensamente cada
    segundo ao lado de quem realmente se identifica, quer pela semelhança de
    ideais e aspirações, quer pelo sofrimento, demasiado igual para todos.
    Resumo aqui de maneira totalmente superficial um dos aspectos da marginalidade em Jorge Amado e creio que, mesmo sendo obras de arte de âmbitos diferentes sempre que o cinema bebe da fonte da literatura deve se buscar quais pontos na literatura são norteadores da obra cinematográfica. Falar que a marginalidade não deveria ser abordada da forma com que foi é descaracterizar o filme que tem como peça norteadora o livro.
    Obrigado pela atenção a faço desse espaço um local de debate intelectual, sem a minima intenção de te ofender ou achincalhar sua opinião.
    Mais uma vez obrigado

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  4. Mara, perfeito. O espaço é exatamente para isso. Discutir, conversar de forma civilizada e argumentativa a respeito de cinema e afins.
    Concordo com suas colocações a respeito das questões sociais e políticas envolvidas na obra original já que são reflexo do que vemos todos os dias. Uma pena, que ao assistir ao filme, o mesmo me pareceu uma grande coleção de clichês sobre marginalidade, não cabendo um juizo sobre os dois lados da história. Faltou essa questão da critica ao restante da população (as demais classes)que você destacou que o livro aborda. Ao mesmo tempo, a opção de escolher garotos inexperientes na profissão prejudicou a intensidade daqueles personagens. Mas como disse no programa, sou minoria, e a maioria dos colegas enxergou o filme de outra maneira. A graça está ai, na completa falta de unidade de opiniões na critica. Isso gera discussões, conversas e aprendizado. Grato novamente pela opinião :)

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  5. Tbm gosto desse tipo de espaço aberto. Agora entendo melhor sua colocação ao dizer que na verdade o filme não soube abordar de forma correta o problema das classes sociais.
    Adoro esse blog e continuarei seguindo. Sempre que tomar coragem postarei comentários. obrigado

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