Potiche - A Esposa Troféu
(Potiche, 2010)
Comédia - 103 min.
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon
Com: Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Fabrice Luchini, Karin Viard, Judith Godrèche e Jérémie Renier
É cada vez mais raro vermos lançamentos que apostam em uma forma de fazer rir, muito comum nos anos 40 e 50, e que por muito tempo ditou o jeito com que a maioria das comédias eram produzidas mundo afora. Falo da comédia de costumes, esse subgênero que é caracterizado pela sátira acida e mordaz a sociedade, às vezes falando sobre problemas sociais, outras vezes apostando na criação de tramas complexas com o objetivo de fazer rir o espectador.
Potiche fala sobre Suzanne (Catherine Deneuve), uma típica "mulher de chefe", tola, vazia e profundamente fútil em sua aparência, a ponto de conversar com os esquilos durante seu jogging matinal. Ela é casada com o pedante e irascível Robert (Fabrice Luchini) que administra a fábrica de seu sogro, já falecido. Robert por sua vez tem um caso com sua secretária Nadège (Karin Viard) e é pai (com sua mulher, é claro) de Joelle (Judith Godrèche) e Laurent (Jérémie Rénier).
A história realmente começa quando o insuportável Robert enfrenta uma greve na fábrica que comanda e ao tentar enfrentar a multidão de grevistas, acaba como refém do bando. Sua mulher se ve em posição complicada, e tem de recorrer a um político de esquerda e que seu marido considera como um verdadeiro inimigo (Maurice Babin, o personagem de Gérard Depardieu aqui usando um penteado a lá Ray Coniff) para libertá-lo. Com o marido abalado, tem de assumir a posição de chefia da fábrica e mostrar que pode ser algo mais do que um belo "potiche" - um jarro vazio e bonito que serve para enfeitar a casa.
O mítico François Ozon (do brilhante Swimming Pool e dos divertidos 8 Mulheres e Ricky entre muitos outros) aposta na comédia como veiculo para discretamente falar sobre o feminismo e os problemas enfrentados pelas mulheres quando começavam a ser levadas a sério pela sociedade (o filme se passa no começo dos anos 70).
Catherine Deneuve - incrivelmente sedutora, apesar de já ter passado dos sessenta e muitos - diverte-se aqui se fazendo de sonsa durante boa parte do filme. No fundo, ela e o espectador sabem que ela é mais do um simples troféu, mas a própria personagem brinca com sua condição e parece estar sempre ironizando toda a trama a seu redor. Ajuda o fato de ela realmente esconder um segredo sobre sua vida pregressa (o que rende uma óbvia referencia a um de seus papéis mais famosos).
Os coadjuvantes divertem-se em seus papeis apesar de alguns deles parecerem fora do tom, um pouco exagerados. Depardieu, o nome mais famoso, usa e abusa do seu pretenso charme, como o revolucionário e abobalhado Babin. Os demais estão em outro filme. Basicamente produzindo caricaturas estereotipadas de seus pretensos personagens não ajudam a história. Luchini esbraveja a cada cena e sua vilania é próxima a de um vilão ruim de quadrinhos. Nadège funciona como símbolo sexual e os filhos do casal são rasos. Joelle até emula um conflito narrativo, mas as explicações apresentadas pelo roteiro são ruins.
A direção de arte é muito bem realizada. Apostando nos motivos florais para adornar a casa de Suzanne e nas cores quentes, é uma tentativa de resgatar a sensibilidade estética de um período. Os figurinos cumprem a mesma função e a fotografia é luminosa, mesmo nas cenas noturnas, assumindo um tom de fabula, usando luz onde em um filme mais naturalista ela não deveria existir.
Potiche tem uma série de problemas de ritmo. Como a personagem de Deneuve parece sempre no limiar entre o tédio e a absoluta compreensão de tudo ao seu redor é difícil pensar em um conflito da personagem. Tudo passa pela tela, facilmente resolvido e sem causar grande impacto. Ajuda o fato que Deneuve ser responsável por dois momentos de profundo constrangimento em tela. O primeiro é quando "homenageia" Saturday Night Fever, em uma versão da terceira idade dos passos de John Travolta, acompanhada de Gérard Depardieu e a segunda é quando tenta cantar e ofende aos que estão presentes na filmagem e os espectadores que tem de acompanhar minutos (que parecem não ter fim) de uma cantoria desafinada e sem a menor personalidade.
Potiche é blasé. Mais um filme que só chega a ser lançado no Brasil porque conta com estrelas e atinge a um público que prefere qualquer coisa dita em língua não inglesa, como "protesto" ao "imperialismo da cultura americana". Não notam porém que esse ativismo de sofá é exatamente aquilo que - de forma mal executada é verdade - Potiche tenta criticar. Ozon apontou sua câmera para a burguesia abastada e fútil, tentando dialogar com um público amplo, mas - pelo menos por aqui - só será ouvido por aqueles que são alvo de sua critica. Resultado de um filme incapaz de se comunicar de maneira universal e de um país que se ve dividido entre o pedantismo intelectual e a massificação da bobagem televisiva.
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