Casa dos Sonhos
(Dream House, 2011)
Drama/Thriller - 91 min.
Direção: Jim Sheridan
Roteiro: David Loucka
Com: Daniel Craig, Naomi Watts e Rachel Weisz
Jim Sheridan é um diretor premiado. Tendo em sua carreira filmes muito elogiados como Em Nome do Pai, In America e sua primeira incursão na direção, Meu Pé Esquerdo, o irlandês demonstra ter um talento firme para dramas, ainda que invista errado sua experiência em alguns esforços como Fique Rico ou Morra Tentando e Entre Irmãos. Após um intrigante trailer, ainda que lembrasse demais Ilha do Medo, tinha uma atmosfera intensa e sugeria uma jornada difícil pela mente de um homem. O trailer, porém, entregava um grande mistério, um plot twist. Já que uma mera prévia revelou isso, por que se julgaria que essa informação seria tão relevante para a trama?
Pois é. O trailer entrega o maior mistério do filme. E esse maior mistério, que vinha sido construído com certa segurança, quando é revelado pela metade do filme, dá o início para uma sucessão de erros notável, o que transforma o até ali aceitável Casa dos Sonhos em uma experiência desastrosa.
O escritor Will Atenton acaba de largar seu emprego. Ele quer se dedicar á família e trabalhar em casa. A partir dali, ele vai até sua nova casa, a casa perfeita. A atmosfera etérea, devido à fotografia do mestre Caleb Deschanel, dá um tom interessante ao prólogo. Parece se ensaiar algo instigante.
Porém, nunca o belo prólogo e o cartaz, com as duas irmãs quase iguais de mãos dadas, fazem jus ao suspense ali apresentado. Apontando tudo para uma inspiração no terror classicista (o diretor Sheridan é veterano dos dramas, afinal), o projeto não consegue desenvolver sua intrigante premissa de maneira fluida. Se não bastasse a maior virada da trama já ser conhecida para quem viu o trailer, o desenvolvimento para ela ainda compromete o envolvimento do espectador. Ao apelar para os clichês mais batidos do gênero (o vizinho misterioso, o culto satânico, as visões perturbadas), o roteiro de David Loucka despreza qualquer senso do que se entende por tensão emocional. Ainda assim, o início intrigava porque, pelo menos, Loucka sabe que (surpresa!) um filme de suspense precisa de peças fragmentadas para criar um mistério.
Mas quando o problemático roteiro demonstra sua intenção, os problemas começam a aparecer demais. O maior evento da trama é revelado com pressa e, de quebra, da maneira mais didática possível. Já que estamos falando de um thriller psicológico, o mais provável era mesmo que tudo se resolvesse... em um centro psiquiátrico. O doutor, pronto para dar maiores explicações, explica de forma estúpida toda a trama. Ainda apelando para mistérios que se julgam erroneamente inteligentes (8-10-10?), Loucka dá a pá de cal em seu, antes promissor e ambicioso plot twist, ao fazer o protagonista insistir no delírio mesmo sabendo CLARAMENTE qual é a verdade. Se um homem toma um choque de realidade, ou ele não suporta e volta á ignorância ou se amargura e volta para o plano físico normal. Em Casa dos Sonhos, aparentemente um homem pode reunir os dois.
Sheridan quis retirar seu nome dos créditos, Craig e Weisz se recusaram a promover o filme, o filme não foi exibido para a imprensa americana. Claramente, Casa dos Sonhos estava errado e o diretor, que já havia brigado com um produtor da Morgan Creek Pictures, ainda teve que contar com esse trabalho tipicamente alugado na linha de sua carreira. Montado com descaso, tomado por uma trilha genérica e sem saber resolver com precisão sua trama a partir da metade, o filme lembrou muito a iniciativa estúpida da narrativa de um dos 10 piores filmes de 2010, Salt. Resolvendo o principal até o minuto 50, ainda faltavam 40 para concluir. A estrutura, dependente de um único motivo, acaba não suportando bem e, o revelando cedo, tem que concluir com uma série de reviravoltas de roteiro, por mais idiotas e hilárias que sejam.
No caso de Casa dos Sonhos, o caso é triste. Ao passar o início todo numa tensa atmosfera que, mesmo que não funcionasse completamente ainda causava certo impacto, o roteiro resolve se auto-sabotar ao dar importância a personagens que pareciam estar só de passagem, sem saber o que é desenvolvimento. O mistério se torna vago quando a solução não é surpreendente ou bem realizada. Ao transitar abruptamente do filme-delírio para o pastiche trouxa de suspense detetivesco, o projeto termina opaco, obsoleto, datado e mal realizado. Se não fosse Sheridan e Caleb Deschanel, aliás, Casa dos Sonhos seria muito pior. Acabaria parecendo um filme de gênero de baixo orçamento, fruto de produtoras paupérrimas como a cretina Asylum. Ao menos aqui, a idiotice do roteiro é disfarçada com uma técnica interessante. As cenas de delírio funcionam e Sheridan demonstra ser arrojado, mesmo que o corte final do filme tire a tensão de forma brusca nesses momentos.
Mas nenhuma boa técnica faz um filme bom. A trama com potencial implode de forma fatal. A tentativa pavorosa de tentar humanizar o "assassino" ao final, entregando a culpa para outra pessoa (o que rende um dos piores clímaces que presenciei esse ano), acaba tirando o mínimo de apego emocional que o filme ainda carregava, muito em função da atuação forte de Rachel Weisz (muito melhor aqui do que no similar Olhar do Paraíso). Daniel Craig acaba perdido, fruto do personagem vazio que lhe foi dado. E é raro ser tão visível a briga de um estúdio ganancioso contra um diretor autoral na metragem final. Casa dos Sonhos poderia se dividir entre dois filmes, mas acaba tendo unidade na mediocridade. O que Sheridan pode, ele faz. E se em Ilha do Medo, Scorsese salvou o mediano plot, aqui Sheridan até tenta, mas é sabotado justamente pelo plot ser tão pavoroso.
E quando percebemos que um terror comportamental utiliza o clichê do escritor que ganha inspiração no final de até filmes como a comédia Duplex, se percebe que a projeção não foi das melhores.
Attack of the Block
(Attack of the Block, 2011)
Ação/Comédia/Sci-Fi - 88 min.
Direção: Joe Cornish
Roteiro: Joe Cornish
Com: John Boyega, Jodie Whittaker, Alex Ismail e Nick Frost
Quando Left 4 Dead se juntou aos aliens num GTA inglês.
“Eu deveria ter voltado pra casa e ter jogado FIFA". Quando em certo momento, um dos cinco gângsteres juvenis de um bloco na cidade de Londres, diz isso, se instala claramente qual é o objetivo desse pequeno, barato e surpreendente filme inglês.
O primeiro filme do comediante Joe Cornish, um dos três responsáveis pelo roteiro do Tintin de Spielberg, empolga por sua simplicidade em surpreender com essas falas, despretensiosas e carregadas de cultura pop. Surtado em seu ritmo frenético ao longo dos ágeis 88 minutos, Attack the Block poderia facilmente observar em Zumbilândia um paralelo cinematográfico fácil, já que pega um subgênero da ficção-científica consagrado e introduz uma roupagem moderna e enxuta.
Quando os meninos cercam a enfermeira Sam (Jodie Whittaker, de Vênus), se ensaia o desenvolvimento de personagens. De forma rápida, clara, já identificamos bem cada um, ainda que a conversa tenha basicamente os mesmos tópicos: jogos, futebol, furtos, armas, alienígenas. As sacadas nos diálogos, que sustentam as cenas estáticas (que servem perfeitamente para contrapor ás cenas explosivas), são fabulosas e as referências pops surgem sem grande esforço. Tudo vira comentário cômico. O alien ("Parece saído do Gears of War!"), o maconheiro certinho (o carro do pai é o alvo do meteoro), a mulher adulta ("Está gostando da professora de matemática?"). É raro ver algo estrutural no filme, como o feromônio, mas é nos ágeis diálogos que o filme ganha pontos consideráveis.
Brevemente, em certas passagens (que nem alteram o resultado final), Attack the Block se mostra frágil. Criando uma estúpida relação da resistência do salto de um garoto para, após, obviamente ele superar o medo, o filme demonstra que é feliz ao não se levar á sério, já que se levasse, teria graves problemas. Além disso, parece flertar com a condição social precária dos garotos, algo que se anula devido à brilhante passagem em que todos passam em casa para pegar armas para o combate. Todos ali têm pais e uma moradia regular, não tem porque tentar achar respostas para os atos criminosos. Felizmente, essas falhas ficam na superfície e mantém Attack the Block num patamar descompromissado, o que é a regra.
E Cornish se recupera desses errinhos e cria tensão a partir de pouca coisa, como na cena do estacionamento e na excelente passagem do caminhão da polícia. Ao saber mexer com os elementos de terror que promete na premissa, o inglês é objetivo. A variação de combates, geralmente com armas brancas, é também uma experiência divertidíssima e válida, o que é outro claro elemento egresso dos jogos. Não por acaso, esse jogo de referências aos games se finaliza na metástase visual: quando os meninos clamam pela vinda do último aliado, fugindo dos aliens atrás dele, eles falam de uma porta semelhante á de Left 4 Dead. Quando ele chega, não adianta negar; eles estão na Safehouse.
Não tarda para que até Nick Frost apareça, numa hilária participação. O cinema do britânico Edgar Wright tem influência forte aqui (e é fácil comparar essa produção a Shaun of the Dead). A relação satírica com o gênero, que funciona perfeitamente no longa de 2004, se nota com menos frequência aqui, ainda que esteja na alma do filme. Uma ironia com a invasão é estabelecida á todo momento ("Os aliens tem 1 metro e vinte, até crianças batem neles!"). Fora isso, a falta de glamour na invasão alienígena é percebida desde o princípio, já que o único ponto de vista que temos é dos próprios moradores do Bloco.
Para Cornish, o mais importante é ver como o traficante Hi-Hatz irá reagir aos fatos do que a população. O exército é citado, mas mal aparece (como em Shaun). Não vemos nenhum noticiário. Afinal, quem importa está na tela.
Para Cornish, o mais importante é ver como o traficante Hi-Hatz irá reagir aos fatos do que a população. O exército é citado, mas mal aparece (como em Shaun). Não vemos nenhum noticiário. Afinal, quem importa está na tela.
Além disso, a maneira com que Cornish esquematiza seu filmes para em nenhum momento perder o foco é notável. Nada é problemático, tudo é conveniente, justamente para não se perder um segundo. Se um personagem se machuca gravemente, não há problema, pois Sam é enfermeira. Se um lugar seguro não é achado, o apartamento das amigas tem um portão de ferro. Se não há saída na rua sem saída, sempre tem uma lata de lixo intransponível aos aliens. E nesse esquema de agilidade, Cornish ganha bastante. O que poderia soar esquemático acaba sendo uma bela saída do roteiro, já que Attack the Block não se leva a sério nem nas mortes importantes. Parece que de tão acostumados com as mortes nos videogames, os delinquentes juvenis já entendem que numa guerra sempre há baixas.
Por isso, vale ressaltar: o surtado Attack the Block vale a visita por diversos motivos, mas é encontrando em dois maconheiros os personagens mais sensatos, que a coisa se torna divertida.
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