quarta-feira, 12 de outubro de 2011


A Pele que Habito
(La Piel que Habito, 2011)
Drama/Thriller - 117 min.


Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar


Com: Antonio Banderas, Elena Anaya, Jan Cornet e Marisa Paredes


Robert Legard está dando uma palestra na Espanha. Ele fala com autoridade sobre transplantes faciais. Participou de três das nove cirurgias de transplantes de rosto no mundo inteiro, o que explica o fato do filme se ambientar em 2012, que é irrelevante. O homem parece amargurado, parece inteligente e parece decidido. Mas se for para conhecê-lo, faremos aos poucos.


A Pele que Habito, novo filme de Pedro Almodóvar, é um belíssimo filme de terror, mas também é um instigante estudo de personagem. Aqui, o importante é usar o terror como conceito, como uma atmosfera, que te deixa tenso justamente porque não sabemos o que acontece. Almodóvar demonstra ser um pleno conhecedor do gênero, ao usar de todas as armas, físicas ou não, para estabelecer o clima necessário para prosseguir seu estudo.

O diretor é conhecido por seus melodramas. De estética forte, com primor pela fotografia e direção de arte, os filmes do espanhol sempre prezam bastante pela técnica apurada e tem uma identidade clara no roteiro: dar um privilégio á visão feminina das coisas. Isso gerou filmes como Fale com Ela e o mais elogiado dos filmes do cineasta, Volver. Porém, a escassez de variação nos temas de Almodóvar acabou vitimando Abraços Partidos, o filme mais cinéfilo, mais instável e menos elogiado do diretor. Portanto, uma reinvenção quase total de seu roteiro parecia se ensaiar, o que é ótimo. Mas, melhor ainda é perceber que houve essa reinvenção, sem que o diretor perdesse sua identidade. Basicamente, Almodóvar não impõe sua identidade ao filme de terror, mas a adéqua ao tema. As mulheres são privilegiadas (no pé da fogueira, quem discute a loucura são elas), mas sem tomar a narrativa de assalto. E isso gera um curioso filme de terror sem sustos, um primor técnico, que assusta muito mais o psicológico do que o físico. Que amedronta sem criar tensão.




O espanhol não esconde sua inspiração em momento algum. Numa enigmática frase, quando alguém fala para o cientista Robert que trouxe o "sangue de um animal ainda vivo", se explicita a gênese do terror puro, típico de um Frankenstein, que encontra no bizarro uma forma de desconfortar o espectador. E com todos os elementos simbólicos que Almodóvar coloca em sua esmerada narrativa, fica difícil resistir. É como misturar Um Corpo que Cai, Frankenstein e David Cronenberg. Aos poucos, a narrativa vai se explicando. O que começa como uma mera observação bizarra, se torna um intrincado esquema. Ao juntar as peças do atraente quebra-cabeça, Pele que Habito melhora consideravelmente.

Obviamente, seria difícil manter o ritmo após tamanha revelação, mas é na análise posterior que Pele que Habito ganha. A culpa familiar é algo presente desde a raiz. Robert quer se vingar porque sua filha foi estuprada, Marília (vivida com intensidade assustadora por Marisa Paredes) não aceita o filho por ele ser de caráter duvidoso, Robert tem raiva do irmão pelo relacionamento anterior que este teve com sua esposa. Almodóvar tem mão pesada para essas relações - e sua marca se nota em passagens como a espetacular "Você não é meu filho! Eu apenas dei a luz a você!".

Mas o terror também se faz presente. Sedutor, charmoso, cheio de garbo. Um elemento que contagia, uma disfunção no meio da psique humana. Quando Robert está com a arma na mão, Marília exclama "Atire!". É um prazer estranho, bizarro, esse do terror. Robert está com a lâmina na mão, barbeando seu alvo, mas quando perguntado sobre o porquê dela estar na sua mão, o doutor não sabe por quê. O elemento é necessário para o terror, isso basta. Sem segundas intenções, é apenas uma ferramenta. Assim como a estupenda trilha sonora composta por Alberto Iglesia, que é mais uma das ferramentas do desconforto generalizado de Almodóvar. Quando os acordes sobem, já se prenuncia o que vai acontecer. Até mesmo a montagem não-linear se justifica aqui, já que quando o sonho começa, nós nem sabemos de quem é.




As neuroses humanas também estão presentes. Tudo acaba nos remetendo á nossa mente. A vingança, irmã da violência (que, por sua vez, é mãe do terror), é fator decisivo em A Pele que Habito. Tudo é relacionado de alguma forma. Robert quer se vingar do homem que violentou sua filha, quer se vingar do seu irmão traidor, etc. A filha está num hospital psiquiátrico, a mulher foi vítima de sua aparência. A observação, o voyeurismo, está na origem da mente humana. Por isso, Robert tem um telão onde observa Vera. Quando Vera retribui o olhar, porém, o mal-estar se instala. E é exatamente isso que torna o filme tão novidadeiro como terror. É o fato de Almodóvar não investigar ou estudar essas neuroses; é por utilizar esses elementos como chave para o terror.

Porém, a maior das neuroses é a obsessão. E nesse difícil terror melodramático, a obsessão é o que gera a trama. O protagonista vivido por Antonio Banderas, assustador e seguro em um excelente momento, fica obcecado pela pele perfeita após a mulher perder a dela. Mas ao levar as difíceis situações que passa de forma extrema, Robert acaba com o terror enraizado em sua alma. Quer se vingar, quer a pele perfeita e quer sua mulher de volta. E aí Almodóvar surpreende. Não é por acaso essa ser uma história típica de Frankenstein.

E o belo final, ainda que não faça jus ao esquisito tour de force emocional proporcionado, fecha com brilhantismo uma narrativa ousada como poucas. O simbolismo não se faz presente, afinal as ferramentas do terror, seja uma lâmina, uma faca ou um falo, são feitos para aterrorizar, não para representar algo que talvez não seja. Um filme de terror diferente de todos, artístico, competente, que acha que o melhor terror não está no gore, no físico. Nem na tensão constante, no suspense psicológico que te aflige exatamente por movimento conhecidos.

O maior terror é estar na tal Pele que Habito.





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