domingo, 16 de outubro de 2011

Tiranossauro
(Tyrannosaur, 2011)
Drama - 91 min.

Direção: Paddy Considine
Roteiro: Paddy Considine

Com: Peter Mullen, Olivia Colman e Eddie Marsan

Joseph anda amargurado. Os imigrantes destratam o irlandês de raiz, seu melhor amigo está morrendo e sua mulher o deixou há cinco anos. Encontrando refúgio apenas na bebida, não tarda para que Joseph desconte em alguém o seu sofrimento. Chutes são ouvidos. O pobre cachorro chora. Surge o título.

O longa de estréia de Paddy Considine, o competente ator inglês, se desdobra como o surgimento de uma luz no fim do túnel. Uma poesia romântica hardcore onde a maior salvação é a sobrevivência. Mas se os filmes pesados costumam unir o sexo e a amizade em prol da violenta redenção, Tiranossauro é mais sutil: é a palavra, o amor, que acaba encontrando unidade no poético mundo do caos. Encontrando um paralelo estrutural com o Contra a Parede de Fatih Akin, o filme inglês se sobressai ao utilizar o mundo cão de uma tragédia para estudar o retrato de um homem que, perdido na vida, encontra em outra perdição, a paz.

O protagonista tem na violência um modo de escapar de sua duríssima realidade emocional. Vê a injustiça no mundo, mas nada pode fazer. O pobre menino, que tem uma mãe passiva, acaba sofrendo com a autoridade exacerbada do namorado. Amigo do menino, Joseph quer fazer alguma coisa, mas a impotência que as regras impõem causa um mal-estar inigualável em Tiranossauro. Ação ganha reação. Não adianta Joseph procurar um pouco de paz no bar; a ameaça se consuma ás avessas, logo depois. E ao abrir seus vívidos olhos no chão, Joseph percebe que consertar o caos não dá muito certo. Um homem castigado percebe que o mar de seus belos olhos azuis não é suficiente. No final, se prosseguir na autodestruição, aqueles olhos só poderão contemplar o que contemplam na reação: o chão. Não dá para se isolar do mundo, mas dá para se esconder.




E nada melhor que se esconder por trás de um sorriso.

Hannah, vivida com sensibilidade por Olivia Colman, leva uma vida pacata. Tem sua pequena loja de roupas, é religiosa, se sente segura com o quadro de Jesus a observando. Um dia, Joseph adentra sua loja ferozmente. Quando começa a conversar, já despacha seus pensamentos pessimistas. O que torna a passagem emblemática é a forma como Hannah lida com tudo. Ao encostar na cabeça do protagonista, o rosto de Olivia se fecha. Uma sutileza que sacramenta a fé que aquela mulher tem. E se Joseph se esconde por trás dos cabides, Hannah se esconde na fé. Para ter uma noção do caos, tem que passar por ele. Como deriva da violência, o caos sem investigação deve-se apenas a análise visual. Não por acaso, só sabemos de tudo quando o olho aparece roxo.

Em certo ponto, pergunta-se a Joseph: "Por que está fazendo isso?". O semblante atmosférico de Peter Mullan não parece saber. Chutar o cachorro, destruir a vitrine, quebrar o retrato, socar um rosto. A violência não procura ser respondida por que ela é inevitável, porque é inexplicável. É uma ferramenta que só o caos impõe. O que diferencia Joseph e o marido de Hannah não são as boas ações; é a forma como a violência é usada. Para um, é um caminho prazeroso, irracional, de tomar o controle. Para o outro, é uma ferramenta de escape que serve para viver no mundo dos homens. Para Joseph, é muito mais uma questão de sobrevivência, enquanto o ameaçador marido (repare no fantasmagórico take em que Eddie Marsan passa a mão no pescoço) vê naquilo uma sensação de poder desprezível (como urinar em cima do sofá ou transar á força). Tiranossauro é excelente por essas e outras corajosas decisões. Não é qualquer filme que separa o protagonista do antagonista por uma linha tênue. E muito menos debater essa linha, mesmo que seja irrefreável ou incompreensível.




A disparidade entre as personalidades é visível. Joseph, com uma performance estarrecedora do fantástico Peter Mullan, sabe de seus erros, sabe que a maioria do que fez foi fruto de suas próprias ações (sejam boas ou não). Hannah, porém, é uma vítima de escolhas que eram difíceis de serem analisadas. Ainda hoje, sofre a consequência do que uma mente dissimulada pode executar. Quando vê aquela ingênua foto de casamento, Hannah (e o espectador) não acredita(m) no que aquilo se tornou. Tem fé, porque ali tem abrigo. Já Joseph entende o que acontece, sem falsos questionamentos. Não tem fé e não vê aquilo como um refúgio; vê apenas como um motivo para ficar ainda mais furioso. Uma é passiva, que estoura de uma vez só, perplexa. O outro é impulsivo, destrutivo, desconta na hora, mesmo que não seja em quem merece (o que nos traz de volta ao cachorro). Uma busca justificativas, o outro aceita os rumos e luta contra. Joseph sabe o monstro que é, mas destrói o galpão porque a dor impõe isso.

A principal diferença, porém, é que mesmo que ambos sejam capazes de agir de forma descontrolada, apenas Joseph sabe o que vai aguentar. Mesmo sabendo o que vai acontecer, ele pega o machado.

Mas as duas pessoas se entendem no meio da confusão mental e psicológica. Joseph sabe de seus erros, mas não consegue evitá-los. Hannah sabe o que sofre e parece não aguentar mais. Joseph sabe o que é ser perdido e Hannah sabe o que é a violência catártica. Os dois têm ciência de que ações descompassadas têm iguais reações. Entendem-se porque sofrem na pele o rumo errado que algo além do nosso alcance pode tomar. Seja nos descritivos detalhes sórdidos de um estuprador ou na vitrine quebrada de uma loja, o projeto deixa claro como é o fundo do poço - sem que isso se torne clichê. Diferente de um filme como Biutiful, onde a desgraça ocorre pela própria desgraça, sem motivo, Tiranossauro é ciente de seus objetivos e consegue (veja só) ser mais realista que o fraco longa de Iñarritu. Ao dar um por que aos pesados acontecimentos, o filme testa seus protagonistas para entender como um sentimento belo pode sair de um ambiente ruim. Tudo é um estudo da causa e efeito da violência (e de como o amor surge dela). Um estudo de personagens. Como disse a música da sensível trilha, "We are both Strong".




Ao ser sugestivo sem ser passivo, Considine pesa a mão no drama, mas mantém o pé no chão e controla as rédeas de seu filme. Em instantes tristes, a poesia flui fácil. Após o enterro de um bretão convicto, por que não ter música e bebidas? Algo tem que ser motivo de celebração - e comemorar como o falecido fazia é o necessário. E não há algo tão bonito quanto dois seres, calejados pelo tempo, pelo ambiente e pelas circunstâncias, se abraçarem. O sentimento puro, em meio a brutalidade, é tão incrível que nem eles mesmos acreditam.

Não é por ser ciente de uma força irreversível que Joseph passa a ser mais forte. Os dois demonstram ser fortes porque tem um ao outro. Tem que ser um titã para confrontar a realidade. Em certo ponto, o protagonista até nos explica o título. Mas no final, o Tiranossauro é uma união. O que o torna fascinante é saber que até mesmo um Tiranossauro só se torna completo ao juntar suas mãos com alguém.

Andar para o desconhecido sabendo que têm alguém que valha a pena gostar é o mais bonito dos poemas caóticos.





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