segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Contágio
(Contagion, 2011)
Drama/Thriller - 106 min.

Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Scott Z. Burns

Com: Matt Damon, Kate Winslet, Jude Law, Gwyneth Paltrow, Laurence Fishburne, John Hawkes, Marion Cotillard, Elliot Gould e Bryan Cranston

Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) está doente. Ela acha que está com Jet lag, mas parece permanecer com mal estar mesmo muito tempo depois. O mesmo se pode dizer de Li Fai, que achou que o mal estar não era nada grave. Isso até atravessar a rua sem olhar. Em Tóquio, um homem cai desesperado e se debatendo em um ônibus. Mas os problemas só começam quando percebemos que Beth tocou seu filho, Li Fai tocou sua irmã e o japonês tocou muitas pessoas no ônibus. Inicia-se o horror do apocalipse.

Steven Soderbergh, o excelente diretor de Onze Homens e Um Segredo, o novo Solaris e Traffic, conduz aqui um instigante panorama de como todos são afetados pelo fim do mundo. Interessado não apenas no lado emocional ou no lado político de um contágio, Soderbergh e o roteirista Scott Z. Burns mesclam todas as vertentes possíveis, dando um panorama completo sobre a infecção viral. Assim como Traffic funcionou para apresentar o esquema das drogas na América do Norte, Contágio vai além ao mostrar a reação do mundo inteiro.




Ágeis na medida certa, os 106 minutos de Contágio tem um trunfo imenso ao contar com uma montagem soberba de Stephen Mirrione (colaborador frequente de Soderbergh), que torna essa metragem mais longa do que parece. A novidade, porém, é que não é por falta de ritmo e sim pela quantidade exorbitante de informações agrupadas em tão pouco tempo. Sempre encontrando a melhor maneira de agrupar informações rápido, Soderbergh e o roteirista Burns colocam constantemente na tela, dados sobre a população das cidades em que o filme se passa. As pequenas cenas que mostram algum processo científico do contágio (a transmissão, a pesquisa para uma vacina, a reação do mundo a alguma descoberta, etc) também se destacam pela frieza com que são apresentadas, sempre embaladas pela ótima trilha eletro-minimalista de Cliff Martinez ao mostrar com um realismo chocante o que aconteceria se aquilo fosse verdade. Em comparação, os absurdos meteoros caindo do céu em 2012 não são nada perto do temor ao toque em Contágio.

A campanha publicitária do filme diz que: "Nada se espalha como o Medo". A frase é pertinente, mas não totalmente correta. A palavra se espalha tão ou mais que o medo. O que nos leva ao núcleo de Alan Krumwiede (Jude Law, á vontade), blogueiro mundialmente conhecido que tem que funcionar como mediador entre o governo e o público, ainda que tenha sérias dúvidas sobre a veracidade dos fatos ali apresentados pelas grandes empresas. No núcleo de Alan, temos algumas das melhores discussões do filme, como a brilhante cena da entrevista na TV, envolvendo Laurence Fishburne. Urgente e precisa, a cena ainda cita de diversas formas a esfera da internet, provando diversos fatos pelos comentários em redes sociais. Além de tornar a película ágil e cheia de informações, ainda torna o discurso atual e verossímil, o que é essencial para um filme que se propõe a dar um ultra-realista panorama para o apocalipse.




A boa organização das informações científicas, fruto da excelente edição de Mirrione, também consegue dar espaço para os dramas humanos, o que torna Contágio mais eficaz do que se havia proposto. Em tese, era provável termos um filme frio, técnico, mas que justamente por se assumir como tal, seria ótimo. Mas ao mostrar a dor e dilemas de cada um dos envolvidos, seja do núcleo do povo ou do núcleo científico, Contágio ganha emoção e verossimilhança no desenvolvimento dos personagens. Quando vemos Mitch (Matt Damon, seguro) sozinho, vendo fotos tristes, é tocante. Assim como quando acompanhamos Ellis (Fishburne) sozinho após uma trágica notícia (e Soderbergh ainda é eficaz ao afastar a câmera, dando a sensação de isolamento que é desesperadora em um apocalipse). 

Claro que os dramas pessoais não têm tanto espaço quanto as explicações científicas, mas é notável observar que o filme transita gêneros sem se abalar, indo do drama intimista (a passagem de Kate Winslet contando ao personagem de Matt Damon sobre a esposa é ótima) ao documentário científico, passando por uma eficaz subtrama policial, para a descoberta de onde foi o foco da doença. Tudo isso transitando entre fotografias, como Soderbergh fez em Traffic. No filme de 2000, a função das fotografias diferenciadas era mais pertinente, mas em Contágio torna os núcleos diferentes bem definidos e ainda dá uma estética arrojada ao projeto, que já tem nos criativos ângulos da câmera de Soderbergh (repare na cena do cassino, com Beth) uma beleza visual marcante.




Essa opção de "abraçar o mundo" poderia matar Contágio de dentro para fora, mas não chega nem perto. Nas mãos de outro diretor ou roteirista, teríamos um filme que muito almeja, passando por diversos gêneros, e ficando na superfície de tudo. Porém, Soderbergh e Burns são felizes ao conduzir o realismo desejado a um choque com o público, como a falta de atendimento médico devido a uma greve de enfermeiras ou o disk-doença, que introduz a absurda burocracia do nosso mundo atual em um cenário de desastre. E pensar que você pode perder um ente querido apenas por ter que responder inúteis perguntas é mais desesperador que qualquer objetivo aventuresco para salvar sua vida, como em O Dia depois de Amanhã. 

A progressão geométrica utilizada para medir o raio de contágio dá uma noção boa do desastre, sem precisar ser didático demais em certas passagens. O caráter político de diversas cenas, como o sequestro da personagem de Marion Cotillard, também é eficaz para abranger mais ainda a visão do filme.




Lembrando Ensaio sobre a Cegueira em sua abordagem da população, Contágio ganha em sua metade um novo horizonte interessante. É a partir dali que vemos a bem desenvolvida morte de um indivíduo importante, a população em desespero por uma vacina ou uma das interessantes passagens clipadas, que agora mostra grandes cidades e lugares (como um aeroporto) vazios, o que causa desespero notável. Os saques feitos nas casas de civis são previsíveis, por isso nem é tão necessário mostrá-los. Ao restringir-se a sugerir os saques em grande quantidade, Soderbergh demonstra sensibilidade ímpar no que seu filme deve passar.

Os contornos de filme de infecção, em teoria esquemáticos, nunca se sentem em Contágio. Não interessados apenas no fim da sociedade, Soderbergh e Burns contam o pré, o apocalipse e o pós-apocalipse. Nisso, Contágio perde um pouco de seu possível nível alarmante dos fatos, já que ao ser realista, não deixa brechas para um final apoteótico, assim como em Traffic não deixava. A análise e construção é muito mais importante do que meros atalhos para a ação. Ainda que escape aqui e ali algumas lições desnecessárias (como a indignação de Leonora ao descobrir os placebos), Contágio se firma como um dos melhores filmes de Soderbergh e o mais interessante dos filmes de infecção viral até hoje.

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