terça-feira, 18 de outubro de 2011


Inquietos
(Restless, 2011)
Drama - 91 min.

Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Jason Lew

Com: Mia Wasikowska, Henry Hopper e Ryo Kase

Enoch Brae chega em casa com as compras. Ele bate na porta, mas ninguém atende. Ao entrar, ele vê que sua amada Annabel está no chão, desacordada. Ele tenta a sacudir, mas ela não responde. O overacting de Henry Hopper se torna evidente, com falas esquemáticas e açucaradas. Annabel responde com pieguice ao comentário, ainda que sejam bonitas as breves afirmativas. Porém, quando ela deita para sempre, Enoch clama por sua volta. E ela volta. Repreendendo os diálogos, Annabel exclama que precisaria de uma morte melhor, como eles haviam combinado.

Essa breve passagem declamada diz muito sobre o novo trabalho de Gus Van Sant, Inquietos. Esse flerte com o operístico, a tentativa clara de estabelecer um ensaio over sobre a vida e a morte, se nota em diversas partes do filme. O que torna a narrativa desmedida, com passagens clichês e um foco no romance desenvolvido de forma intimista. Ao mesmo tempo em que quer dar sua visão para a morte, Van Sant quer realizar um romance bonito, mas que almeja se tornar realista justamente pelo seu final conhecido.

Primeiro, há a dedicação a construção da análise da morte. Em todos os lugares que Enoch vai, há algum elemento que lembre a morte. Desde um corpo estendido (e marcado por giz) no asfalto a um cemitério, onde o protagonista parece se sentir bem ao passear pela noite. Após o acidente que matou seus pais, Enoch começou a ver o fantasma de Hiroshi (Ryo Kase). Obviamente, existem segundas intenções na presença do homem, que representa (mais uma vez) a identificação que o protagonista tem com a morte. Os buracos que isso cria para a narrativa, porém, diluem a mensagem presente nessa alegoria. Capaz de ver o fantasma de um homem qualquer mas atormentado pela morte dos pais, por que Enoch não se questiona se poderia ou não ver os pais também? E qual a presença relevante de Hiroshi em cena a não ser pelo desnecessário (e fortemente expositivo) monólogo sobre sua namorada, perto do final da projeção? E se Hiroshi era uma mera alegoria para o conforto de Enoch com a morte, por que o japonês some após ler a carta e não após o protagonista encontrar a paz na vida novamente?




Ao verem Enoch entrando em um velório, os convidados estranham, mas nada fazem. O personagem então se senta e olha para frente quando vê, pela primeira vez, Annabel. É no mínimo bizarro ver uma pessoa frequentando um funeral mesmo sem conhecer ninguém ali, mas não há problema, já que para o roteirista Jason Lew, o que importa não é a verossimilhança da cena e sim o significado dela. O que dá um tom mais operístico do que Inquietos poderia suportar.

A ambientação para o romance é previsível e quando Lew une o romance ao ensaio, acaba soando simplório. Mas ainda assim, é emocionante ver que o amor de Enoch e Annabel surge delicado. As teorias sobre a morte, num óbvio necrotério, são atuadas com sensibilidade. As cenas dos dois protagonistas juntos são boas de se acompanhar, com uma sutileza interessante, como no interesse apaixonado de Annabel pelos pássaros. Isso torna o filme um tanto bobo em algumas partes, mas apresenta-se como uma consequência do amor juvenil dos dois. O que em teoria seria um romance ideológico (a vontade de viver da enferma Annabel e a identificação com a morte de Enoch), acaba sendo um romance intimista que aposta na emoção, o que é um tanto frustrante, mas tampouco frio.

Esses problemas estruturais no filme acabam denunciando uma falta de pulso firme do roteirista, que acaba sendo inventivo ao criar alegorias para o ensaio, mas termina perdido ao meio de suas ambições. Não é por acaso que Inquietos é muito melhor no início que no final. Jason Lew é bom em construções, mas soa esquemático nas resoluções.




E quando as resoluções aparecem, o filme perde muito de seu brilho emocional. No final das contas, nota-se que Inquietos é um boy meets girl comum, com direito a uma trilha decepcionante e previsível de Danny Elfman. A diferença apenas se deve a dois fatores importantes: o registro preciso de Gus Van Sant e a maneira com que o mesmo registra Mia Wasikowska.

Ao optar por planos longos, o diretor americano cria instantes grandiosos, como se fosse necessário que a vida fosse registrada com parcimônia. A morte de um instante não pode ocorrer. Isso já havia funcionado perfeitamente em Elefante, mas em Inquietos se torna mais pertinente ainda. Os toques do autor, como o belo corte para o choro da irmã mais velha após o diagnóstico de Annabel ou a forma com que deixa Hiroshi fora de foco (o que dá um conveniente caráter sobrenatural ao fantasma), são eficientes e demonstram a sensibilidade que Van Sant tem em comandar filmes íntimos de seus personagens. Sensibilidade e intimidade, estas, que são essenciais na forma com que o americano dirige Wasikowska. A linda atriz, em uma atuação memorável, cria uma personagem incrível, com suas sutilezas e gestos calmos. É bonito acompanhar Mia - e o encanto do romance dos protagonistas se deve as características da personalidade que a atriz compõe, já que Henry Hopper demonstra ser um ator bem limitado. A pena maior que Inquietos pode dar, além do ensaio esvaído, é por reduzir a brilhante sutileza na composição da atriz em um filme que não merece.

É atraente ver um ensaio se estruturando, o que torna o filme acima dos exemplares covardes de romance. Porém, é triste ver um potencial desperdiçado, já que a crônica se resume a cenários que lembram a morte e discussões desconexas. O pulo que o filme dá é proporcional à queda, o que diminui consideravelmente o encanto que o romance da projeção tinha exibido. As passagens teóricas dão lugar a uma estrutura terrivelmente clichê, quando se detecta a presença de um desnecessário conflito no terceiro ato, o que joga o filme na vala dos filmes mais comuns do gênero. Se projetos como One Day pegam o esquema dos 3 atos e o exploram (o que torna o filme de Lone Scherfig diferente é só a passagem dos anos), Inquietos acaba tomando esse esquema de assalto apenas em seu final, o que funde um drama intimista a um romance ensaiado. E ao ver a crônica de um diretor ambicioso se reduzir a um tolo filme de gênero, é com gosto amargo que o bonitinho fim da projeção chega.




Porque Van Sant pode ter controle sobre sua direção e seus atores, mas no roteiro a situação é diferente. Tenta usufruir de uma trama indie e usa a estética de seus projetos mais caros, como Milk. Porém, a beleza estética e a sensibilidade na filmagem não ocultam os erros diversos de um filme que se perde nas suas próprias ambições.

E não adianta um bom registro sensível se a matéria-prima não reconhece isso.


Drive
(Drive, 2011)
Drama/Thriller - 100 min.

Direção: Nicolas Winding Refn
Roteiro: Hossein Amini

Com: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks e Christina Hendricks

Um herói, seja anti ou no sentido literal, deve ter um código moral formado. Quando ouvimos a voz mansa de Ryan Gosling ditando as regras de seu trabalho pelo telefone, há uma calma, mas estilizada, aproximação do protagonista. O modo eloquente e direto com que ele dá as informações assustam pela rigidez e frieza. Mas é ao analisar o resto da projeção que o profissionalismo preciso do Piloto no início se torna mais enigmático. Quem é aquele piloto, afinal?


Quando sobe a trilha, com a estilosa Tick of the Clock do Chromatics, o homem sem nome começa a pilotar. A direção impecável, devido ao estilo seguro e quase impulsivo que Gosling determina para seu personagem, se deve a unidade que se tem na parceria homem-máquina. O braço de Gosling parece uma extensão do volante - e não é por acaso que Refn enfoca as mãos vestidas de couro em diversos momentos. Determinar a personalidade do herói sem criar um arco de desenvolvimento é a primeira grande sacada de Drive. Tudo é mais atmosférico. Seja com um olhar perdido ou com as veias saltadas no canto da cabeça (que dá um desespero preciso, tal qual Daniel Craig faz em geral), o piloto-dublê parece perceber a proximidade do perigo. E quando Gosling é focado, com sua expressão estourada, dá uma ideia de um cão raivoso ali dirigindo, prisioneiro dentro de uma personalidade calma.

O oitavo filme de Nicolas Winding Refn, terceiro desde sua projeção mundial em Bronson, se estrutura como um filme de crime, um drama noir que utiliza o imaginário do herói solitário do cinema americano, mas se revela uma instigante e ambiciosa análise comportamental de um personagem. Não chegando ao estudo do personagem convencional (Drive é bem delineado na hora de mitificar seu herói), o filme se prontifica a observar as ações do personagem, mas sem estudar as motivações ou os traumas na sua mente conturbada; prefere demonstrar o que acontecer quando se liberar a fera dentro dele.



A redenção, logo, não seria de outra maneira senão a partir da violência. E a forma catártica e apreensiva, que as feições de Gosling encaram cada evento de violência gráfica, são essenciais para o estudo em questão. A hora da decisão final, que determina a morte ou não da vítima de suas ações, tornam o Piloto mais impulsivo ainda (e se martelar consecutivamente a mão de uma pessoa é comum para ele, o mesmo não pode ser dito sobre martelar a cara nessa cena). Mas na hora de se banhar de sangue, o herói o faz. E Gosling perturbado tem uma presença maior que a vida.

No final das contas, Drive é também uma visão arthouse sobre o cinema de ação norte-americano dos anos 70. Porém, como a maioria dos filmes de Refn, se revela uma investigação da personalidade do protagonista. O Piloto não tem necessidade de expressar suas emoções com palavras. Parece que tem um passado, mas não quer lembrar dele. Tem uma característica mais calma, mas faz o que é necessário para que suas motivações sejam atendidas. Quando a segurança de sua amada Irene é colocada em risco, o protagonista não hesita em aceitar o trabalho que Standard (Oscar Isaac) propõe, mesmo que o risco seja enorme. O que precisa ser feito, deve ser feito. E isso, aliado á fotografia amarelada, nos remete diretamente ao gênero noir, enquanto o panorama de personagens bandidos nos leva ao filme de crime.

Ao passar incólume ao criminoso e ir direto para a criança, o protagonista vai adentrando mais a rede criminosa. E entrando no desconhecido, os sonhos vão se esvaindo. Ser piloto da Nascar não é mais alcançável e a forma com que Shannon (Bryan Cranston) encara esse triste destino reflete bem a personalidade do personagem. O Piloto não quer entrar nessa teia, mas precisa. E ser uma criatura das sombras, novo no local (como prova o brilhante enquadramento que Refn filma Gosling sombreado no espelho), é difícil. Ao filmar a tensão nos mínimos detalhes, o diretor torna digno o prêmio em Cannes.


E é nesses pequenos momentos que Drive demonstra o que realmente é. É a criação de um herói, um exercício estilístico claro da parte de Refn, sim. Mas também é uma bela demonstração melancólica de como liberar a fera dentro de um homem.

Refn ainda abusa do estilo nas sequências de ação, o que é eficiente ao perceber que um diretor pouco familiarizado com o gênero cria passagens tão interessantes. Ao nunca cortar antes do necessário, Refn prefere utilizar os planos abertos e os dublês do que os efeitos especiais, o que é uma bem vinda "novidade" em um gênero tão batido. Ao mediar as sequências de maneira criativa, como no excelente prólogo em que a tensão da perseguição é medida pela frequência da polícia, o diretor se mostra tão eficiente ao coordenar tanto a ação quanto o drama. A maneira cadenciada com que a aproximação do Piloto e de Irene (Carey Mulligan) é realizada é marcante. Um silêncio, que faz a medida da cena junto com os tímidos sorrisos dos dois personagens, é crucial para a atmosfera expressiva de Drive. Um filme da ação que se estabelece calmamente, mas sabe a hora de explodir.

Refn cria passagens estupendas justamente por conciliar o exercício (muito) estiloso com a tristeza recorrente a personalidade do Piloto. Concentra-se um tempo considerável as cenas com o protagonista, mas também é feliz ao estabelecer as figuras criminosas dentro da trama. O criminoso capanga é o primeiro a falhar; o mafioso segundo em comando é o responsável pelo roubo dar errado; o mafioso antagonista tem uma coleção de facas e não tarda para sujar as mãos com elas. Afinal, "minhas mãos estão sujas também".


A tristeza que se nota no ar pensativo do Piloto é uma dos elementos mais chamativos que Drive tem a oferecer. O olhar perdido, que se torna seguro assim que necessário, dá ao filme o tom perfeito. Agora que você é um herói real, não custa ser um humano real. Mas é difícil. Porque a presença do herói é enorme e o passado pode condenar. A reflexão sobre cada elemento de sua vida é necessária. Nos planos de ação e reação, Drive se consagra. Não é por acaso que Refn costuma filmar novamente Gosling após cortar para o contra plano.

Drive é tão interessante por não se limitar a mostrar a picada do escorpião (piloto) ou a reação da vítima. É perfeito, sim, em mostrar a reação do próprio animal.






2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olha posso afirmar categoricamente que foi o melhor filme que assisti esse ano, filme da qual não tinha a menor expectativa nem sei dizer se é só legal ou interessante, até porque começa com um misto de games como "Drive+ G.T.A + Gran Turismo", mas com o passar do filme tomou mostra de um filme espetacular (sem modéstia).
    As cenas de Suspense e Ação é geniais, até porque não tem terror vendo como um assistido vc chega a entrar na mente do personagem, a cena do "Elevador" é algo fantástico.

    Recomendável ao extremo!!!!!

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