(Antichrist - 2009)
109 min. - Drama
Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Com: Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg
Caro amigo leitor,
Se você ainda não assistiu ao mais recente trabalho de Lars Von Trier, sugiro que quando o faça, coloque de lado tudo o que já conhece, plasticamente, deste diretor dinamarquês. Ele definitivamente, deixou o movimento “Dogma 95” para trás e investiu na beleza estética do filme. Isso já se nota na primeira seqüência, belamente fotografada em preto-e-branco, no qual o casal central faz sexo em câmera lenta ao som de Lascia Ch’io Pianga, de Händel. E é neste exato momento que vemos o filho pequeno do casal sair do berço e cair pela janela. Nos capítulos se seguem, vemos o retiro do casal na floresta do Éden, numa tentativa desesperada de aplacar a dor da perda.
O filme é resultado de tudo o que assombrou o diretor em seus dois anos de depressão. Isso somado à sua trajetória de vida: filho de ateus, converteu-se ao cristianismo, mas depois perdeu a fé na nova crença. Vale lembrar que, desde muito novo, Lars carregava consigo uma cópia do manifesto anticristianismo de Friedrich Nietzsche intitulado, nada mais nada menos que O Anticristo.
O livro escrito em 1888 por Nietzche, de título original Der Antichrist, pode tanto significar O Anticristo como O Anti-cristão. Nele o autor critica os valores do cristianismo responsáveis pela enfermidade do homem. Veja que, de forma alguma ele analisa o cristianismo por seus dogmas, mas sim como um fenômeno de moralidade que guia toda uma civilização a se portar de determinada maneira. O que ele coloca em pauta é o adestramento do animal homem através da ferramenta cristianismo.
Sendo assim, coloco tais informações para o amigo leitor pensar no que Lars estava maquinando em sua cabecinha ao formular seu filme. Afinal, não seria o Anticristo aquilo que desaprisiona e faz com que os instintos básicos da natureza humana se manifestem?
Tudo isso de nada valeria se o cineasta não estivesse muito bem amparado. Uma maravilhosa Charlotte Gainsbourg e um inspirado Willem Dafoe se encarregam de dar as matizes certas para que a execução do trabalho seja cumprida. Von Trier é um diretor que dá pouquíssimas indicações no set, além de não permitir preparação prévia nenhuma. O resultado é que após alguns dias os atores ficam tão inseguros e nervosos, pois não sabem se o que estão fazendo é correto, que se entregam à crueza de seus impulsos. Este é um lugar ao qual não conseguimos acessar através da lógica, e é o que acaba por nos diferir, o que nos torna os indivíduos que somos, entrando assim, em contato com nossa frágil essência de ser humano. Com primazia, Lars direciona seus atores para onde precisa que eles estejam no filme. E eles, com muita humildade e inteligência, permitem ser guiados. O resultado você vê na tela: tridimensionalidade na atuação e conseqüente identificação com a condição humana, que nada tem de simplista.
É essa total afinação do elenco que nos permite enxergar os simbolismos dos personagens. Através da figura da mulher, o diretor dinamarquês coloca todos os impulsos primários do ser humano. E é por meio do homem que ele situa a racionalidade e, porque não dizer, a domesticação de toda uma civilização. E mais...não é à toa que a mulher é representada por tudo aquilo que é irrefletido, impensado e instigante...afinal, como o filme mesmo sugere em suas imagens através do livro de Mariarosa Dalla Costa, Gynocide: Hysterectomy, Capitalist Patriarchy, and the Medical Abuse Of Wome (algo como Feminicídio: Histerectomia, Capitalismo Patriarcal e O Abuso Médico de Mulheres) cuja personagem de Charlotte estudava, as mulheres foram, durante séculos, caçadas e torturadas por seus conhecimentos médicos e substituídas pela ciência do homem controlada pela Igreja e pelo Estado.
A floresta, batizada de forma irônica de Jardim do Éden, é o retorno ao lugar onde tudo começou. É o celeiro de impulsos instintivos esquecidos, ou, no mínimo, colocados de lado ao longo do tempo. Mas também funciona como espelho da vida, refletindo o eu mais profundo de cada um.
Lars Von Trier mandou uma mensagem ao seu público quando não quis justificar seu filme. Fã incondicional de Tarkovsky, seu mais novo trabalho bebe na fonte de “O Espelho”, mas não por isso seja menos valioso. A verdade é que, de forma rica e simbólica, Lars nos convida a olhar todos os meandros de sua alma e, em contrapartida, nos faz pensar nos nossos. Como um regente cortando o ar com sua batuta, ele nos instiga a olhar sua obra através de um instrumento que só você tem querido leitor: o seu corpo. É ele a morada de seus traumas, anseios e medos e é, através dele, que aprisionamos ou libertamos uma alma. Porém, nessa partitura de sensações não estamos seguros se o que olhamos é de fato realidade, ou só uma ilusão projetada por nós mesmos de algo que existe ou existiu, ou ainda, sonhos fantásticos de uma alma doente e cansada de uma vida tediosa e sem surpresas. Seja o que for, é preciso entrega e coragem, só assim você desvelará a sua verdade. Verdade essa que – surpresa!– estará sempre em constante mutação.
TRAILER:
109 min. - Drama
Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Com: Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg
Caro amigo leitor,
Se você ainda não assistiu ao mais recente trabalho de Lars Von Trier, sugiro que quando o faça, coloque de lado tudo o que já conhece, plasticamente, deste diretor dinamarquês. Ele definitivamente, deixou o movimento “Dogma 95” para trás e investiu na beleza estética do filme. Isso já se nota na primeira seqüência, belamente fotografada em preto-e-branco, no qual o casal central faz sexo em câmera lenta ao som de Lascia Ch’io Pianga, de Händel. E é neste exato momento que vemos o filho pequeno do casal sair do berço e cair pela janela. Nos capítulos se seguem, vemos o retiro do casal na floresta do Éden, numa tentativa desesperada de aplacar a dor da perda.
O filme é resultado de tudo o que assombrou o diretor em seus dois anos de depressão. Isso somado à sua trajetória de vida: filho de ateus, converteu-se ao cristianismo, mas depois perdeu a fé na nova crença. Vale lembrar que, desde muito novo, Lars carregava consigo uma cópia do manifesto anticristianismo de Friedrich Nietzsche intitulado, nada mais nada menos que O Anticristo.
O livro escrito em 1888 por Nietzche, de título original Der Antichrist, pode tanto significar O Anticristo como O Anti-cristão. Nele o autor critica os valores do cristianismo responsáveis pela enfermidade do homem. Veja que, de forma alguma ele analisa o cristianismo por seus dogmas, mas sim como um fenômeno de moralidade que guia toda uma civilização a se portar de determinada maneira. O que ele coloca em pauta é o adestramento do animal homem através da ferramenta cristianismo.
Sendo assim, coloco tais informações para o amigo leitor pensar no que Lars estava maquinando em sua cabecinha ao formular seu filme. Afinal, não seria o Anticristo aquilo que desaprisiona e faz com que os instintos básicos da natureza humana se manifestem?
Tudo isso de nada valeria se o cineasta não estivesse muito bem amparado. Uma maravilhosa Charlotte Gainsbourg e um inspirado Willem Dafoe se encarregam de dar as matizes certas para que a execução do trabalho seja cumprida. Von Trier é um diretor que dá pouquíssimas indicações no set, além de não permitir preparação prévia nenhuma. O resultado é que após alguns dias os atores ficam tão inseguros e nervosos, pois não sabem se o que estão fazendo é correto, que se entregam à crueza de seus impulsos. Este é um lugar ao qual não conseguimos acessar através da lógica, e é o que acaba por nos diferir, o que nos torna os indivíduos que somos, entrando assim, em contato com nossa frágil essência de ser humano. Com primazia, Lars direciona seus atores para onde precisa que eles estejam no filme. E eles, com muita humildade e inteligência, permitem ser guiados. O resultado você vê na tela: tridimensionalidade na atuação e conseqüente identificação com a condição humana, que nada tem de simplista.
É essa total afinação do elenco que nos permite enxergar os simbolismos dos personagens. Através da figura da mulher, o diretor dinamarquês coloca todos os impulsos primários do ser humano. E é por meio do homem que ele situa a racionalidade e, porque não dizer, a domesticação de toda uma civilização. E mais...não é à toa que a mulher é representada por tudo aquilo que é irrefletido, impensado e instigante...afinal, como o filme mesmo sugere em suas imagens através do livro de Mariarosa Dalla Costa, Gynocide: Hysterectomy, Capitalist Patriarchy, and the Medical Abuse Of Wome (algo como Feminicídio: Histerectomia, Capitalismo Patriarcal e O Abuso Médico de Mulheres) cuja personagem de Charlotte estudava, as mulheres foram, durante séculos, caçadas e torturadas por seus conhecimentos médicos e substituídas pela ciência do homem controlada pela Igreja e pelo Estado.
A floresta, batizada de forma irônica de Jardim do Éden, é o retorno ao lugar onde tudo começou. É o celeiro de impulsos instintivos esquecidos, ou, no mínimo, colocados de lado ao longo do tempo. Mas também funciona como espelho da vida, refletindo o eu mais profundo de cada um.
Lars Von Trier mandou uma mensagem ao seu público quando não quis justificar seu filme. Fã incondicional de Tarkovsky, seu mais novo trabalho bebe na fonte de “O Espelho”, mas não por isso seja menos valioso. A verdade é que, de forma rica e simbólica, Lars nos convida a olhar todos os meandros de sua alma e, em contrapartida, nos faz pensar nos nossos. Como um regente cortando o ar com sua batuta, ele nos instiga a olhar sua obra através de um instrumento que só você tem querido leitor: o seu corpo. É ele a morada de seus traumas, anseios e medos e é, através dele, que aprisionamos ou libertamos uma alma. Porém, nessa partitura de sensações não estamos seguros se o que olhamos é de fato realidade, ou só uma ilusão projetada por nós mesmos de algo que existe ou existiu, ou ainda, sonhos fantásticos de uma alma doente e cansada de uma vida tediosa e sem surpresas. Seja o que for, é preciso entrega e coragem, só assim você desvelará a sua verdade. Verdade essa que – surpresa!– estará sempre em constante mutação.
TRAILER:
Erika Zanão
Atriz e Roteirista
Se antes já queria muito ver esse filme, agora eu quero vê-lo mais ainda.
ResponderExcluirSoube que há cenas bastante fortes, que chocam. Imagino que isso já seja um ponto positivo, pois as obras deixaram de causar choque há algum tempo...
Ainda está aqui no meu corpo, pensamento e alma este filme...altas sensações depois de vê-lo! Um filme pra se guardar!
ResponderExcluirErika, parabéns pelo texto excelente. Embora eu não tenha apreciado o filme como imaginava, tenho que admitir que se trata de uma experiência incômoda e muitas vezes impressionante, pois de fato ele abandona todos os conceitos estéticos de suas obras anteriores para criar novos belíssimos. Embora dê para notar o quão doloroso é todo o processo enfrentado por alguém que tem ou teve depressão (caso do diretor), acho que o filme deixou a desejar.
ResponderExcluirOlá Érika, gostei muito de sua abordagem, também fiz uma resenha sobre o filme, se te interessar dê uma olhada: http://doutorcaligari.blogspot.com/2009/09/criticas-da-cinema-anticristo.html
ResponderExcluirna espera de novos textos!!!!!
Realmente, nossa nova colaboradora foi direto ao ponto, e desenvolveu suas idéias de forma extremamente competente.
ResponderExcluirTambém estou na espera dos novos textos dela rsrs.
Genial! Um dos melhores textos que li sobre o novo trabalho de Lars Von Trier. Adorei ambos: resenha e filme. Parabéns, Érika!!!
ResponderExcluirQueridos,
ResponderExcluirLuís: As cenas do filme são realmente bem violentas. Quanto ao chocar, isso eu já não sei, pois a cada dia mais percebo que as pessoas se chocam menos com violência física. Recomendo assistir ao filme antes que saia do cinema, pois é bem interessante ver a reação das pessoas. Minha opinião é que ele me violenta sim, é bem contundente. Mas não é de forma gratuita, posto que o diretor exterioriza uma violência psicológica. Isso só deixa mais claro o quanto a violência pode ir longe.
Cristiano: Partilho meus sentimentos com os seus, meu caro. Definitivamente, um filme para ser enfrentado.
Alex: Que bom que gostou do texto, me deixa feliz. No entanto, fiquei intrigada quanto à sua opinião. De fato, o que te deixou desgostoso? Em minha opinião essa é sua obra mais controversa e pessoal, e acho que isso imprime frame a frame.
Vinicius:
Lerei sua resenha e deixarei um comentário. Obrigada pelo interesse, querido colega!
Vanderson:
Que bacana o que você escreveu. De fato, tentei sair do que estava sendo escrito por outras pessoas.
Editor:
Obrigada por me conceder esse espaço.
Agora não vou parar..rsrs
Tá fazendo sucesso rsrsrs
ResponderExcluir