Aconteceu em Woodstock
(Taking Woodstock, 2009)
Comédia/Drama - 120 min.Direção: Ang Lee
Roteiro: James Schamus
Com: Demetri Martin, Henry Goodman, Imelda Staunton, Emile Hirsch, Eugene Levy, Paul Dano, Jonathan Groff e Liev Schreiber
Para aqueles que viveram numa bolha nos últimos quarenta anos e para aqueles (que duvido, sejam leitores do Fotograma) simplesmente incultos o Woodstock foi o festival musical mais importante da história. Se o chavão “a música pode mudar o mundo” um dia teve sentido, talvez o resultado mais próximo disso tenha sido esse festival, realizado em 1969, na pequena e semi-desconhecida cidade de White Lake. Lá em 15, 16, 17 e 18 de Agosto, num clima de paz, amor, música de alta qualidade no talo e alucinógenos (também de alta qualidade) o mundo tomou conhecimento do tamanho de uma geração que contestava sem dó a caretice e o cinismo de um pais em decadência moral e política.
Aconteceu Woodstock trata da história real de como um homem para salvar o pequeno motel da família, indiretamente acabou sendo um dos responsáveis pela realização do evento. Esse homem é Elliot Teichberg (Demetri Martin), artista plástico que abandona sua vida em Nova Iorque para ajudar os pais. Sua vida é quase, ou totalmente inexistente. Castrado por uma mãe essencialmente velha e um papai que vegeta em vida.
Acidentalmente ele se envolve com o festival, que acaba transformando sua percepção sobre a vida, amor, família, preconceitos, verdade e mentiras. Muita pretensão para uma comédia certo?
Em termos. Apesar de Ang Lee apresentar aqui seu trabalho mais comercial, o diretor ainda trás alguns traços de seus longas anteriores na tradução narrativa. Lembrou-me levemente de Tempestade de Gelo, pela profusão de pequenas histórias entrelaçadas e por ambos os personagens principais estarem tentando se acertar com suas próprias vidas.
O filme funcionou bem como reconstituição de um período do tempo, apresentando todos os principais personagens que tomaram parte do festival. Estão lá Michael Lang, John Roberts Joel Rosemann e Artie Kornfield (os criadores) e Max Yasgur (o dono da fazenda onde o festival foi realizado, e imortalizado pela banda Mountain na música “For Yasgur’s Farm”). Lee ainda homenageou o documentário Woodstock na estética da filmagem. Usando de câmeras voyeurísticas, observando as ações, simulando uma equipe de reportagem.
Falando ainda em técnica, o diretor também homenageou o documentário na forma de editar o filme, enchendo-o de quadros divididos apresentando algumas cenas que aconteciam ao mesmo tempo. O diretor já havia experimentando a utilização desses quadros em Hulk.
Apesar de a história ser sobre Elliot, são seus pais que roubam a cena. Henry Goodman é o pai Jake, que a partir do envolvimento com essa atmosfera “hipponga”, leve e descompromissada com os “valores americanos”, desperta para a vida, tornando-se um quase libertário de sua rotina fadada ao vazio. Imelda Staunton (sumindo brilhantemente dentro do papel) é a mesquinha e insuportável mãe de Elliot, Sonia. Uma mulher morta por dentro, apodrecida pelo tempo, pelo medo e por sua personalidade. Egoísta e patética. Um personagem detestável e brilhantemente interpretado.
O filme é recheado de coadjuvantes interessantes, vindo desde o já citado Max Yasgur (Eugene Levy, mostrando que é muito mais do que escada para a medonha série American Pie), Paul Dano (numa ponta como um hippie chapado), Emile Hirsch (como um soldado perturbado pela guerra do Vietnã, que encontra no festival seu grito de libertação frente a seus traumas e medos) e um impagável Liev Schreider como um travesti que rouba todas as cenas em que participa.
E justamente em seu ponto mais forte, os brilhantes coadjuvantes, é que reside o calcanhar de Aquiles do filme de Lee. Primeiro porque apesar de se esforçar, Demetri Martin é um ator limitado, que é eclipsado em todas as cenas por coadjuvantes mais interessantes que seu personagem. Nas cenas em que divide a tela com Goodman e Staunton então, é covardia.
O outro problema causado pela enorme quantidade de coadjuvantes razoavelmente relevantes na trama, é que muitos entram e saem da trama sem muito a dizer ou fazer. Peguemos o personagem de Jeffrey Dean Morgan, que começa o filme parecendo ser importante para ser sumariamente esquecido no meio da projeção.
Outro problema é o ritmo, que é cambaleante. Começa como um “feel good movie”, leve e divertido, com as pessoas chegando à fazenda e os acertos para a realização da festa, os apuros da família para se adaptar a multidão que chega para ver o festival, as formas inusitadas que a mãe de Elliot arruma para ganhar dinheiro dos hippies, a trupe teatral bizarra (no melhor estilo “arte para gente inteligente”) que mora no celeiro e a bizarra entrevista coletiva de Elliot, onde chapado acaba dizendo (trocando em miúdos) que o festival era livre e gratuito, resultando na inacreditável soma de 500 mil pessoas visitando White Lake em quatro dias de festa.
Porém, na metade final Lee parece esquecer tudo, e aposta suas fichas na pura e simples “jornada de descoberta” do personagem, que surge fútil e acelerada. A comunidade que parecia funcionar como a âncora do puritanismo chato e racista na primeira metade do filme, é reduzida a figuração. Esqueceu-se completamente do assunto que ele mesmo abordou. Não dá pra se convencer que uma misera entrevista coletiva ia resolver os problemas com os moradores.
Tanto não resolvem que o diretor acrescenta duas desnecessárias sequências. Uma envolvendo garotos que picham ofensas anti-semitas e outra que envolve um medíocre protesto da população contra o festival. Gratuitas e demonstrando a tal falta de ritmo e foco.
A impressão final do filme (pelo menos a minha) é a de que para Lee, o impacto causado pela festa numa geração foi tão grande que mudou a percepção de todos sobre o mundo. Para ilustrar isso, o diretor (que não é americano e talvez tenha tido conhecimento do evento apenas pelo jornal e olhe lá) caprichou na coleção de frases de efeito, efeitos alucinógenos para o uso de ácido (muito bonitos), “libertação de sentidos” por meio do exercício do “todo mundo nu” e todo o cardápio de clichês de filmes sobre a época.
Depois do sucesso de Brockebeck Mountain, que funcionou por ser centrado em dois bons personagens e em duas interpretações inspiradas, Ang Lee resolveu voltar ao cinema “relaxando”. Relaxou demais, e não soube ser profundo o bastante para sair-se com um drama e nem leve o suficiente para consolidar uma boa comédia.
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