quinta-feira, 6 de maio de 2010

The Secret of Kells
(The Secret of Kells, 2009)
Aventura/Fantasia - 75 min.

Direção: Tomm Moore
Roteiro: Tomm Moore e Fabrice Ziolkowski

Com as vozes de: Brendan Gleeson, Evan McGuire, Christen Mooney, Mick Lally

Obra de Arte. É assim que consigo descrever The Secret of Kells, um pequeno filme de animação franco-belga-irlandês que conseguiu atingir quase o sublime. Visualmente arrasador e desde já umas das obras de animação mais deliciosas feitas na década. Candidato forte a filme do ano.

Exagero?

Talvez, mas eu não consegui me manter impassível ao desfile de cores, formas e da narrativa sucinta e delicada que o diretor estreante Tomm Moore conseguiu em (pasmem) pouco mais de uma hora de filme.


Tudo funciona de maneira tão perfeita que parece que música, imagem, texto, interpretação e arte são uma coisa só, como um organismo vivo pulsante em todo seu esplendor.

A história do pequeno monge Brendan, um garoto solitário que viveu a vida inteira dentro dos muros da Abadia de Kells, uma fortificação erguida no meio de uma floresta durante a Idade Média para defender-se dos avanços dos vikings, representados no filme como bestas famintas por sangue e ouro.

Brendan vive sob a segura e quase doentia proteção de seu tio, o Abade Cellach (voz de Brendam Gleeson, o único famoso entre os dubladores), que temendo o pior a seu ente querido, impede qualquer tentativa do garoto em ter contato com o mundo exterior. Isso muda quando o lendário monge Aidan chega, e sendo ele um dos mais importantes ilustradores de livros da história (uma função muito importante na literatura medieval, quando os livros eram copiados e ilustrados a mão, um a um), vê no jovem Brendan um potencial ilustrador.


Essa história fictícia tem bases sólidas na história. Origina-se com o livro de Kells: a peça mais importante de todo o cristianismo irlandês, que também é conhecido como o Grande Evangeliário de São Columba. O livro foi lindamente ilustrado por monges celtas durante o século IX. Dentro dele estão contidos os quatro evangelhos do Novo Testamento, notas ilustrativas e preliminares. Quem quiser ver o livro basta ir até a biblioteca do Trinity College em Dublin, e apreciar o trabalho monumental. (valeu Wikipédia pelas informações).

O que o filme faz, é tentar dar uma origem ao famoso livro, vindo daí o tal segredo que intitula o filme. Responder por meio de uma fábula quem foram aqueles que ilustraram o livro que “trazia a luz para os lugares mais escuros”. O filme é historicamente correto ao mostrar a abadia de Kells, ao contar que o livro veio (com o famoso ilustrador, um personagem historicamente fictício imagino) do povoado de Iona, uma das ilhas Hébridas, que ficam na costa oeste da Escócia. A história diz que quando as invasões vikings começaram a se intensificar, monges partiram de lá se alojando na abadia de Kells, que se tornou um dos maiores pontos de disseminação da fé cristã na Irlanda.


No filme, o livro vinha sendo feito pelo criador da ordem de Columba (outro acerto histórico já que a ordem é a criadora do livro, mas não se sabe com exatidão quem foi o autor) e o garoto torna-se o responsável por ilustrar a palavra santificada por meio de seu talento e imaginação.

Os historiadores não sabem precisar quem foi/foram os autor/es do livro.

O filme preenche as lacunas que a história não soube responder com a fábula. A Irlanda talvez seja o país com o maior número de histórias sobre “espíritos da floresta”, e o Moore usa-os para misturar a fé cristã com a consciência ecológica (coisas dos nossos tempos) e o sincretismo nas forças naturais, outra fundamental tradição irlandesa. Afinal eles são o país dos elfos, gnomos, duendes, leprechauns, fadas e afins, que convivem no imaginário popular tão bem quanto Cristo, o Espírito Santo, a Virgem Maria, os santos e todos os outros contos bíblicos.


Longe de fazer um juízo de valor quanto ao que é certo o errado, ou o que é a verdadeira fé, Moore mistura essas duas visões de fé para contar sua história. Em nenhum momento o cristianismo, ou algum ensinamento religioso entra em pauta. Moore parece dizer que no fundo a fé se manifesta de maneira diferente apenas para ilustrar a mesma verdade. Não se fala em Cristo subjugando o mal, mas em Luz contra as trevas, algo muito mais “Elemental” e compreensível a todos, independente de credo.

E não tenho dúvidas em afirmar que qualquer outro meio seria incapaz de mostrar a beleza encontrada nas ilustrações do livro, ou mesmo do ambiente ao seu redor. Definitivamente a animação consegue por meio da infinidade de recursos artísticos que dispõe fazer jus a beleza que o filme quer retratar.


Outro diferencial, e ai mesmo para os outros filmes de animação, é o apuro técnico que o filme tem ao retratar situações de tensão. Talvez por não ter sido pensado exclusivamente para um público,o filme não alivia quando tenta causar tensão e terror (a seqüência da invasão viking é magistral) e quando quer simplesmente embasbacar o espectador com um inesgotável caleidoscópio de cores e formas. É um filme inteligente, que mesmo sendo uma fábula sem maiores pretensões, não ignora o espectador do outro lado da tela.

The Secret of Kells é um triunfo maravilhoso de técnica e de narrativa. Se os traços dos personagens nas imagens fotográficas podem parecer simplistas (lembram bastante a animação Samurai Jack que passava no Cartoon Network), são perfeitas para a integração que citei quase biológica entre os elementos básicos do cinema. A trilha sonora é esplendorosa, e conta com uma canção tão singela que em sua simplicidade põe no chinelo TODAS as canções indicadas ao Oscar na categoria. Se a Academia lembrou-se do filme na categoria animação (e sem a menor dúvida entre os indicados deveria ter levado o prêmio, agora que vi os indicados posso afirmar isso com certeza), poderia ter indicado a trilha sonora e a canção original (canção do diretor e roteirista Moore).


O único problema do filme é que ele é tão belo e cativante que quando percebemo-lo já acabou, e nossa esperança de mais beleza se esvai. Uma obra de arte do novo século e que adentra o panteão das mais importantes animações da história.

(Apesar da nota Excelente, talvez ano que vem entre nesse post e altere para Obra Prima rs)

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