domingo, 2 de maio de 2010


A Lista de Schindler


Steven Spielberg surgiu na década de 70 dirigindo o filme Tubarão, um suspense de sucesso arrebatador que deu origem aos blockbusters, que mais tarde, dariam um "fim" no cinema de arte e independente americano. Depois de Tubarão, Spielberg dirigiu tantos outros sucessos que mais tarde, se tornariam clássicos. Contatos Imediatos e E.T são exemplos de filmes spielberguianos da era de ouro, películas pelas quais o diretor obteve suas primeiras indicações ao Oscar, sem levar nenhuma, entretanto.

Porém, se Spielberg almejou tamanho sucesso de sua carreira e hoje é conhecido mundialmente como um dos maiores cineastas da história, boa parte se deve aos seus primeiros sucessos, mesmo que esses não tenham recebido o maior reconhecimento crítico americano. Spielberg, entretanto, ainda queria isso.

No início dos anos 90 então, era possível vislumbrar uma mudança de enfoque da filmografia do diretor. A mudança de estilo seria confirmada nos anos seguintes, com o lançamento de O Resgate do Soldado Ryan, por exemplo . Duas direções soberbas em bons projetos, que configuravam um estudo maior de Spielberg nas técnicas de direção, uma mudança de estilo de escolha de projetos, um viés mais adulto, uma tentativa de Spielberg de ser reconhecido agora não mais por seus blockbusters, mas sim por sua qualidade no cinema artístico.

Tudo isso começou com A Lista de Schindler. Desde o tipo de fotografia empregado até a longa duração (3 horas e 10 minutos), o projeto nasceu com ambições de se tornar um novo épico clássico exaltado por críticos de todo o mundo. Afinal, o tema era o mais propício: O Holocausto nazista visto de maneira essencialmente dramática. Depois de mais de dez anos de seu lançamento, revistas e sites especializados em cinema (como a Empire) colocam A Lista de Schindler como um dos 50 maiores filmes de todos os tempos, concretizando o objetivo de Spielberg ao começar a rodar o filme.

Adaptado do livro A Arca de Schindler, o filme conta a história de Oskar Schindler, um empresário membro do partido nazista, que , durante a Segunda Guerra contrata vários judeus para trabalhar em suas indústrias , e conforme eles são sistematicamente presos e levados para campos de trabalho forçado, vê-se impulsionado a salvar seus então empregados, nem que tenha que salvá-los comprando um por um.

Tendo a trama baseada em fatos reais, o filme não fica modorrento e consegue manter sua dinâmica durante toda a duração. O roteiro, mesmo relatando histórias que realmente existiram, consegue dividir o filme em dois atos bem separados e bem registrados por Spielberg . O primeiro ato baseia-se na introdução dos personagens e foca-se na vida de Schindler (Liam Neesson) conhecendo o líder do Judenrat de Cracóvia (comitê dos judeus), Itzhak Stern (Ben Kingsley). Já o segundo ato centraliza-se no horror sofrido pelos judeus, apresentando o personagem de Ralph Fiennes, o Capitão Amon Göth, o líder do campo de trabalhos forçados para onde os operários de Shindler vão. Esse segundo ato é estendido por todo o filme e é nele que se centram as grandes mudanças vividas pelos personagens, e essa é aliás, a ênfase dramática do filme.

Portanto, é de se perceber que apesar de se retratar uma época e de eventos que mudaram a humanidade por completo , o centro de toda a história é o próprio Schindler , que tem suas concepções de mundo completamente alteradas durante toda a exibição. No início Schindler recrutou vários judeus para trabalhar para ele, apenas por que era mais baratos que os demais . Quando ele vê um massacre sofrido pelos judeus quando foram todos levados sumariamente para o campo de trabalho forçado, ele vislumbra uma criançinha, uma menina de casaco vermelho ( que se sobressai diante da fotografia preto e braco). Esse momento vai servir como uma chave, uma senha, para a mudança sentimental sofrida por Schindler muitos minutos a frente no filme. Assim, com todos os seus operários presos , ele vai tentando aos poucos recuperá-los, ainda com um discurso ''comercial'', mas já muito mais tocado com a realidade dos judeus ,com um toque muito mais humano em seu discurso.

No momento em que vê o casaco vermelho junto num dos amontoados de corpos no campo do capitão Göth, Schindler se entrega de corpo e alma- e não precisa de nenhuma fala que mostre seus sentimentos, definidos inteligentimente numa imagem - numa tentativa , dessa vez completamente altruísta e sentimental, de salvar todos seus antigos operários, nem que precise falir para tal feito.

Sendo Schindler o protagonista e a engrenagem por qual boa parte da trama gira em torno, seria impossível não mitificá-lo. Mas não transforma o personagem num arquétipo e nem o endeusa como "um mocinho perfeito". Sendo esse um filme baseado em fatos reais, isso seria claramente burrice por parte do diretor. Schindler no filme é um homem consciente de suas responsabilidades para com os seus trabalhadores, mas que não larga sua personalidade e suas particularidades para tanto. Há, na última cena de Schindler no filme, um pequeno melodrama. Mas aquilo é o ápice da emoção do protagonista em relação a sua missão, patindo dos horrores sofridos pelo povo que ajuda, passando pela construção da Lista e culminando na despediada em questão.

O filme também não se esquece de mostrar a realidade e o cotidiano dos campos de trabalho forçado. E Spielberg usa de ironias semelhantes às presentes nos 20 minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan, um de seus filmes posteriores - como quando o soldado tira o capacete e logo depois é atingido na cabeça- para pontuar a vida tanto dos guardas quanto dos prisioneiros, não somente ilustrando essa relação e esse cenário da época (que só enriquece o filme), mas também apresentando e familiarizando diversos personagens para o espectador. Um exemplo é quando um garotinho, fugindo dos guardas , tenta se esconder em vários locias, mas todos já estão ocupados por outras crianças que se recusam a compartilhar o local com ele, decide então se refugiar dentro de uma fossa, e ao cair dentro da banheira de esgoto, descobre que já existem outras pessoas se escondendo lá.

A Lista de Schindler é um dos grandes filmes de Spielberg, e merceria até mesmo uma colocação entre 100 os melhores filmes já feitos , por todos os seus cuidados, mas não entre os 50 melhores filmes já feitos. Não acho que seja para isso tudo. Provavelmente, foi colocado lá por todo o hype criado por ser considerado um dos melhores filmes de Spielberg.

Spielberg, aliás, dirige aqui soberbamente. Não utiliza os maneirismos que são visíveis em alguns de seus outros filmes, e opta aqui pela direção de atores e no enquadramento sistematicamente belo de seus takes. Um estilo clássico, que implica num agraciamento dos críticos mundiais e no recebimento de vários Oscars, muito merecidos, por sinal. Somando a isso uma trilha composta com maestria por John Williams, que faz mais um de seus temas imortais, e a fotografia genial de Janusz Kamiński - que ao colocar no meio dos preto e branco destacados um tom leve de cinza faz parecer que o filme se passa na época da história- temos então um filme tecnicamente perfeito.

As atuações também tem destaque imenso. Um elenco escalado com precisão difícil de se encontrar. Liam Nesson consegue entrar no personagem com naturalidade incrível , consegue convencer e confirmar seu talento. Sem dúvida é o seu melhor papel, e uma indicação ao Oscar justíssima. Acompanhando seu talento, vem o sempre competente Ralph Fiennes, que encorpora toda a magnitude do seu vilão de corpo e alma. A sede de matar e seu desinteresse pelas vítimas são tão tangíveis que justificam sua indicação ao Oscar.

Não considero A Lista de Schindler um filme que se encaixe entre os 50 melhores filmes de todos os tempos. Entretanto, os elogios são muitos, devido a altíssima qualidade do filme, sendo então não um demérito do filme em si, mas sim um mérito maior a outros filmes não introduzidos nesses tipos de listagem. Mas, é claro que o filme é marcante, e se consolida fortemente na memória de quam assistiu. No geral, A Lista de Schindler é um filme que dialoga com a relação e interligações dos grandes eventos - nesse caso o Holocausto de nazistas contra judeus - e as pessoas que direta ou indiretamente estão envolvidos com ele. Mostra como Oskar Schindler marcou seu nome na história com seus feitos, e , com esse filme, como Spielberg conseguiu seu primeiro Oscar .

Um comentário: